8 de ago. de 2009

Sucesso - Por Nizan Guanaes


Discurso do publicitário Nizan Guanaes na formatura da FAAP:

Dizem que conselho só se dá a quem pede. E, se vocês me convidaram para paraninfo, sou tentado a acreditar que tenho sua licença para dar alguns. Portanto, apesar da minha pouca autoridade para dar conselhos a quem quer que seja, aqui vão alguns, que julgo valiosos. Não paute sua vida, nem sua carreira, pelo dinheiro. Ame seu ofício com todo coração. Persiga fazer o melhor. Seja fascinado pelo realizar, que o dinheiro virá como conseqüência. Quem pensa só em dinheiro não consegue sequer ser nem um grande bandido, nem um grande canalha. Napoleão não invadiu a Europa por dinheiro. Hitler não matou 6 milhões de judeus por dinheiro. Michelangelo não passou 16 anos pintando a Capela Sistina por dinheiro. E, geralmente, os que só pensam nele não o ganham. Porque são incapazes de sonhar. E tudo que fica pronto na vida foi construído antes, na alma. A propósito disso, lembro-me uma passagem extraordinária, que descreve o diálogo entre uma freira americana cuidando de leprosos no Pacífico e um milionário texano. O milionário, vendo-a tratar daqueles leprosos, disse: "Freira, eu não faria isso por dinheiro nenhum no mundo." E ela responde: "Eu também não, meu filho". Não estou fazendo com isso nenhuma apologia à pobreza, muito pelo contrário. Digo apenas que pensar em realizar tem trazido mais fortuna do que pensar em fortuna. Meu segundo conselho: pense no seu País. Porque, principalmente hoje, pensar em todos é a melhor maneira de pensar em si. Afinal é difícil viver numa nação onde a maioria morre de fome e a minoria morre de medo. O caos político gera uma queda de padrão de vida generalizada. Os pobres vivem como bichos, e uma elite brega, sem cultura e sem refinamento, não chega viver como homens. Roubam, mas vivem uma vida digna de Odorico Paraguassu. Que era ficção, mas hoje é realidade, na pessoa de Geraldo Bulhões, Denilma e Rosângela, sua concubina. Meu terceiro conselho vem diretamente da Bíblia: seja quente ou seja frio, não seja morno que eu te vomito. É exatamente isso que está escrito na carta de Laudiceia: seja quente ou seja frio, não seja morno que eu te vomito.
É preferível o erro à omissão. O fracasso, ao tédio. O escândalo, ao vazio. Porque já vi grandes livros e filmes sobre a tristeza, a tragédia, o fracasso. Mas ninguém narra o ócio, a acomodação, o não fazer, o remanso. Colabore com seu biógrafo. Faça, erre, tente, falhe, lute. Mas, por favor, não jogue fora, se acomodando, a extraordinária oportunidade de ter vivido. Tendo consciência de que, cada homem foi feito para fazer história. Que todo homem é um milagre e traz em si uma revolução. Que é mais do que sexo ou dinheiro.
Você foi criado, para construir pirâmides e versos, descobrir continentes e mundos, e caminhar sempre, com um saco de interrogações na mão e uma caixa de possibilidades na outra. Não use Rider, não dê férias a seus pés. Não sente-se e passe a ser analista da vida alheia, espectador do mundo, comentarista do cotidiano, dessas pessoas que vivem a dizer: eu não disse! Eu sabia!
Toda família tem um tio batalhador e bem de vida. E, durante o almoço de domingo, tem que agüentar aquele outro tio muito inteligente e fracassado contar tudo que ele faria, se fizesse alguma coisa. Chega dos poetas não publicados. Empresários de mesa de bar. Pessoas que fazem coisas fantásticas toda sexta de noite, todo sábado e domingo, mas que na segunda não sabem concretizar o que falam. Porque não sabem ansear, não sabem perder a pose, porque não sabem recomeçar. Porque não sabem trabalhar. Eu digo: trabalhem, trabalhem, trabalhem. De 8 às 12, de 12 às 8 e mais se for preciso. Trabalho não mata. Ocupa o tempo. Evita o ócio, que é a morada do demônio, e constrói prodígios. O Brasil, este país de malandros e espertos, da vantagem em tudo, tem muito que aprender com aqueles trouxas dos japoneses. Porque aqueles trouxas japoneses que trabalham de sol a sol construíram, em menos de 50 anos, a 2ª maior megapotência do planeta. Enquanto nós, os espertos, construímos uma das maiores impotências do trabalho. Trabalhe! Muitos de seus colegas dirão que você está perdendo sua vida, porque você vai trabalhar enquanto eles veraneiam. Porque você vai trabalhar, enquanto eles vão ao mesmo bar da semana anterior, conversar as mesmas conversas, mas o tempo, que é mesmo o senhor da razão, vai bendizer o fruto do seu esforço, e só o trabalho lhe leva a conhecer pessoas e mundos que os acomodados não conhecerão. E isso se chama sucesso.

7 de ago. de 2009

Verônica Decide Morrer - Paulo Coelho

- Há tudo de errado. Porque quando todos sonham e só alguns poucos realizam, o mundo inteiro sente-se covarde.

Verônica Decide Morrer - Paulo Coelho (Teclado QWERTY)


“Existem coisas que são governadas pelo bom-senso humano: colocar os botões na frente da camisa é uma questão lógica, já que ficaria muito difícil abotoá-los de lado, e impossível abotoá-los se estivessem nas costas.
“Outras coisas, porém, vão se impondo porque cada vez mais gente acredita que elas tem que ser assim. Vou lhe dar dois exemplos: você já se perguntou porque as letras de um teclado de máquina de escrever são colocadas naquela ordem? - Nunca me perguntei isso. - Chamemos este teclado de QWERTY, já que as letras da primeira linha estão dispostas assim. Eu me perguntei o por que disso, e encontrei a resposta: a primeira máquina foi inventada por Christopher Scholes, em 1873, para melhorar a caligrafia. Mas ela apresentava um problema: se a pessoa digitava com muita velocidade, os tipos se chocavam e travavam a máquina. Então Sholes desenhou o teclado QWERTY, um teclado que obrigava os datilógrafos a andarem devagar. - Não acredito. - Mas é verdade. Acontece que a Remington – na época, fabricante de máquinas de costura - usou o teclado QWERTY para suas primeiras máquinas de escrever. O que significa que mais pessoas foram obrigadas a aprender este sistema, e mais companhias passaram a fabricar estes teclados, até que ele se tornou o único padrão existente. Repetindo: o teclado das máquinas, e dos computadores, foi desenhado para que digitasse mais lentamente, e não mais rápido, entendeu? Vá tentar trocar as letras de lugar, e não encontrará um comprador para o seu produto .

Verônica Decide Morrer - Paulo Coelho (Adão e Eva)


Mari entendia do assunto; passara quarenta anos de sua vida trabalhando como advogada, até que sua doença a trouxera a Villete. Logo no início de sua carreira, perdera rapidamente a ingênua visão da Justiça, e passara a entender que as leis não haviam sido criadas para resolver problemas, e sim para prolongar indefinidamente uma briga. Pena que Allah, Jeovah, Deus - não importa que nome lhe dessem – não tivesse vivido no mundo de hoje. Porque, se assim fosse, nós todos ainda estaríamos no Paraíso, enquanto Ele estaria ainda respondendo a recursos, apelos, rogatórias, precatórias, mandatos de segurança, liminares – e teria que se explicar em inúmeras audiências sua decisão de expulsar Adão e Eva do Paraíso – apenas por transgredir uma lei arbitrária, sem nenhum fundamento jurídico: não comer o fruto do Bem e do Mal. Se Ele não queria que isso acontecesse, porque colocou a tal árvore no meio do Jardim – e não fora dos muros do Paraíso? Se fosse chamada para defender o casal, Mari seguramente acusaria Deus “omissão administrativa”, porque, além de colocar a árvore em lugar errado, não a cercou com avisos, barreiras, deixando de adotar os mínimos requisitos de segurança, e expondo todos que passavam ao perigo. Mari também podia acusá-lo de “indução ao crime”: chamou a atenção de Adão e Eva para o exato local onde se encontrava. Se não tivesse dito nada, gerações e gerações passariam por esta Terra sem que ninguém se interessasse pelo fruto proibido – já que devia estar numa floresta, cheia de árvores iguais, e portanto sem nenhum valor específico. Mas Deus não agira assim. Pelo contrário, escreveu a lei e achou um jeito de convencer alguém a transgredi-la, só para poder inventar o Castigo. Sabia que o Adão e Eva terminariam entediados com tanta coisa perfeita, e – mais cedo ou mais tarde – iriam testar Sua paciência. Ficou ali esperando, porque talvez também Ele – Deus Todo Poderoso – estava entediado com as coisas funcionando perfeitamente: se Eva não tivesse comido a maçã, o que teria acontecido de interessante nestes bilhões de anos? Nada. Quando a lei foi violada, Deus – o Juiz Todo Poderoso – ainda simulara uma perseguição, como se não conhecesse todos os esconderijos possíveis. Com os anjos olhando e divertindo-se com a brincadeira (a vida para eles também devia ser muito aborrecida, desde que Lucifer deixara o Céu), Ele começou a caminhar. Mari imaginava como aquele trecho da Bíblia daria uma bela cena num filme de suspense: os passos de Deus, os olhares assustados que o casal trocava entre si, os pés que subitamente paravam ao lado do esconderijo.
“Onde estás?” perguntara Deus. “Ouvi seu passo no jardim, tive medo e me escondi, porque estou nu”, respondera Adão, sem saber que, a partir desta afirmação, passava a ser réu confesso de um crime. Pronto. Através de um simples truque, onde aparentava não saber onde Adão estava, nem o motivo de sua fuga, Deus conseguira o que desejava. Mesmo assim, para não deixar nenhuma dúvida à platéia de anjos que assistia atentamente o episódio, Ele resolvera ir mais adiante. “Como sabes que estás nu?” dissera Deus, sabendo que esta pergunta só teria uma resposta possível: porque comi da árvore que me permite entender isso. Com aquela pergunta, Deus mostrou aos seus anjos que era justo, e estava condenando o casal com base em todas as provas existentes. A partir dali, não importava mais saber se a culpa era da mulher, nem pedir para ser perdoado; Deus precisava de um exemplo, de modo que nenhum outro ser – terrestre ou celeste – tivesse de novo o atrevimento de ir contra Suas decisões. Deus expulsou o casal, seus filhos terminaram pagando também pelo crime (como acontece até hoje com os filhos de criminosos), e o sistema judiciário fora inventado: lei, transgressão da lei (lógica ou absurda não tinha importância), julgamento (onde o mais experiente vencia o ingênuo), e castigo.

Verônica Decide Morrer - Paulo Coelho (Vitríolo)



Era curioso que ninguém jamais tivesse se referido ao Vitríolo como um tóxico mortal, embora a maioria das pessoas afetadas identificasse seu sabor, e se referisse processo de envenenamento como Amargura.
Todos os seres tinham Amargura em seu organismo - em maior ou menor grau - assim como quase todos temos o bacilo da tuberculose. Mas estas duas doenças só atacam quando o paciente acha-se debilitado; no caso da Amargura, o terreno para o surgimento da doença aparece quando se cria o medo da chamada “realidade”. Certas pessoas, no afã de querer construir um mundo onde nenhuma ameaça externa pudesse penetrar, aumentam exageradamente suas defesas contra o exterior – gente estranha, novos lugares, experiências diferentes - e deixam o interior desguarnecido. É a partir daí que a Amargura começa a causar danos irreversíveis. O grande alvo da Amargura (ou Vitríolo, como preferia o Dr. Igor) era a vontade. As pessoas atacadas deste mal iam perdendo o desejo de tudo, e em poucos anos já não conseguiam sair de seu mundo – pois tinham gasto enormes reservas de energia construindo altas muralhas para a realidade fosse aquilo que desejavam que fosse. Ao evitar o ataque externo, tinham também limitado o crescimento interno. Continuavam indo ao trabalho, vendo televisão, reclamando do transito e tendo filhos, mas tudo isso acontecia automaticamente, e sem qualquer grande emoção interior – porque, afinal, tudo estava sob controle. O grande problema do envenenamento por Amargura era que as paixões – ódio, amor, desespero, entusiasmo, curiosidade – também não se manifestavam mais. Depois de algum tempo, já não restava ao amargo qualquer desejo. Não tinham vontade nem de viver, nem de morrer, este era o problema.

Verônica Decide Morrer - Paulo Coelho (Gravata)


- Criar uma realidade só para ele – repetiu Veronika. – O que é a realidade?
- É o que a maioria achou que devia ser. Não necessariamente o melhor, nem o mais lógico, mas o que se adaptou ao desejo coletivo. Você está vendo o que tenho no pescoço?
- Uma gravata. - Muito bem. Sua resposta é lógica, coerente com uma pessoa absolutamente normal: uma gravata!
“ Um louco, porém, diria que eu tenho no pescoço um pano colorido, ridículo, inútil, amarrado de uma maneira complicada, que termina dificultando os movimentos da cabeça e exigindo um esforço maior para que o ar possa entrar nos pulmões. Se eu me distrair quando estiver perto de um ventilador, posso morrer estrangulado por este pano.” Se um louco me perguntar para que serve uma gravata, eu terei que responder: para absolutamente nada. Nem mesmo para enfeitar, porque hoje em dia ela tornou-se o símbolo de escravidão, poder, distanciamento. A única utilidade da gravata consiste em chegar em casa e retirá-la, dando a sensação de que estamos livres de alguma coisa que nem sabemos o que é.
“Mas sensação de alívio justifica a existência da gravata? Não. Mesmo assim, se eu perguntar para um louco e para uma pessoa normal o que é isso, será considerado são aquele que responder: uma gravata. Não importa quem está certo – importa quem tem razão.”