31 de mar. de 2010

Temos que ser líquidos




Ainda lembro das noites em que ele passou em claro porque eu estava passando mal. Ainda lembro de quando ele me pegava nos braços e me fazia dormir em seu colo. É impossível esquecer meu pai. Um homem simples, sem muitas elegâncias. Mas um homem. Um homem de verdade. Olhar para o meu pai era ver o perfil de homem que considero justo. Um homem que, mesmo humilde, guardava uma riqueza imensa dentro de si e que, querendo ou não, espalhava essa riqueza por onde passava. No caso de meu pai, dividir era multiplicar. Com ele não tinha tempo ruim, chuvas tempestuosas demais ou chances de desistência. Aos onze anos tive a prova disso.
Ao quase perdê-lo, eu vi o que até então não tinha percebido: meu pai era um herói. E eu era uma adolescente no auge da rebeldia, com idéias revolucionárias, querendo quebrar as regras e fazer o meu mundo do meu próprio jeito. E foi então que tive a maior lição da minha vida. Não sei bem se ele mesmo percebeu o posterior efeito dessas palavras, mas o que ele dissera foi um marco na minha história.
Eu tinha todas as idéias supostamente inovadoras e inconseqüentes da adolescência e acabava entrando em atrito com a Livia que eu queria ser e a Livia que o mundo pedia que eu fosse. E meu pai foi uma peça extremamente importante nisso. Certa vez ele me dissera:
- Livia, na vida nós temos que ser líquidos. Por exemplo, a água: se eu a coloco em um copo, ela assume a forma do copo, mas se eu a colocar em uma jarra, ela ficará do formato da jarra. E é assim com a gente. Nós temos que nos adaptar. Mas não podemos ser tão volúveis quanto os gases e nem tão rígidos quanto os sólidos.
E foi assim que eu aprendi a viver. Me adaptei facilmente à doutrina militar, à uma posterior rotina mais desgastante. Descobri que eu poderia revolucionar sim, mas de uma maneira mais líquida. Não adianta querer mudanças radicais, e também não devemos ficar alienados. Devemos absorver as informações e observar o mundo, aprendendo com tudo e com todos. Com meu pai, aprendi a não discriminar. Ele me ensinou a ser líquido. E foi assim que me tornei quem sou hoje.
Nos meus dezessete anos de existência, tive que fazer escolhas muito importantes e, graças ao meu pai (juntamente com a minha mãe), pude avaliar os melhores caminhos. Aprendi a ter flexibilidade e, o mais importante de tudo: despertei a bondade que havia dentro de mim. E tudo por causa de gestos, de pequenos detalhes que às vezes passam despercebidos no dia-a-dia. O que sou é o reflexo dos pequenos atos de meus pais que me serviram de exemplo. O que me tornei é fruto da convivência com esses dois anjos que guiam o meu caminho.
Talvez quando ele me disse para ser líquido não imaginava a repercussão que isso teria para mim. Mas foi com ele que aprendi as maiores lições da minha vida. Com ele, eu aprendi a ser eu mesma e aprendi a aceitar quem a outra pessoa é. Aprendi com meu pai que a vida não é nada fácil, mas quando se tem amor e bondade, sempre há uma nova chance. E é assim que eu encaro cada amanhecer: como um conselho sensato de meu pai, como a esperança e a bondade que vejo em seu olhar. E cada anoitecer é como um beijo de boa noite, embalado ao som de Roberto Carlos: “eu tenho tanto pra lhe falar, mas com palavras não sei dizer...”.

Por Livia Teixeira Leal.
Dedicado ao meu grande exemplo, meu pai.

Mãe






Dizer essa palavra é mergulhar no infinito. É percorrer por entre as origens do ser. Na verdade, o cordão umbilical nunca deveria ser cortado. Na verdade, não, minto. Ele nunca o é. Há algo na palavra "mãe" que não sei explicar. Quando a digo ou quando a ouço, me vêm à cabeça idéias como carinho, proteção, cuidado. Mas há uma em especial, uma que se resume tudo apenas em: ligação. E, entre tudo o que poderia ser imaginado, eu penso apenas no tal do cordão umbilical. Pelo que sei, é dele que o feto recebe os nutrientes necessários para viver. Mas não consigo vê-lo dessa forma tão "biológica". E, ao pensar em tudo isso, percebo que recebo ainda os tais nutrientes necessários para viver. Sem o apego, sem o amor, sem os conselhos, sem a força de minha mãe, o que seria de mim? Morreria sem seu abraço, adoeceria sem seu carinho e não existiria sem a ligação "mãe e filha". Portanto, convenhamos, é justo e racional duvidar do corte do cordão. Há uma ligação que transcende todo o procedimento medicinal no momento do parto. E, te digo com toda a certeza, nem o médico, nem ninguém é capaz de destruí-la. Acredito na permanência do cordão. E há os que me acham louca, desvairada, desinformada. Não me importo. Porque ainda o sinto aqui. Me sinto ainda recebendo os nutrientes de minha mãe. Me sinto crescer aos poucos, mas ainda me sinto naquela barriga. Me sinto protegida, amada. Se me sinto fraca, ganho força de seu olhar. Se me sinto triste ou desolada, encontro esperança em suas palavras. Ou até mesmo em seu silêncio. Quem possui a ligação da qual falo não precisa tanto assim das palavras. O silêncio, o gesto, o olhar bastam. E, se algum dia, alguém me perguntar se estou só, poderei ter a completa convicção de dizer que "não". E direi simplesmente: "sei que meu cordão umbilical não foi cortado, e me basta saber que minha mãe está lá do outro lado, e sempre estará". E, com um sorriso gentil nos lábios e uma enorme paz no coração, irei embora, com a esperança de que um dia essa pessoa sinta o mesmo, até sem saber o porquê.

"Você pode sentir?"

Por Livia Teixeira Leal.

O Retrato de Dorian Gray - Oscar Wilde



E por falar em desconstrução...

O livro de Oscar Wilde é fascinante e intrigante. Quando comecei a lê-lo não consegui mais parar, como se houvesse algo que me atraísse para a história, que me fizesse sentir da mesma forma que o personagem Dorian. É impossível ser a mesma pessoa depois de ler este livro. Ele modifica completamente visões de mundo e faz com que o leitor duvide de suas próprias convicções e princípios e ponha em questão uma série de preceitos morais e éticos.
Leitura obrigatória.

Recomendo, para quem tiver preguiça de ler o livro, o filme homônimo feito em 1945, que foi bastante fiel à história. A versão produzida em 2009 ficou extremamente sensacionalista e fugiu completamente da lógica do livro na minha opinião. Por isso, não a recomendo.

O link para download do filme de 1945 é esse: http://filmeedownload.blogspot.com/2009/05/o-retrato-de-dorian-gray-1945.html

Pode-se também baixar o livro em: http://www.reidoebook.com/2009/08/o-retrato-de-dorian-gray-oscar-wilde.html



As melhores partes do livro pra mim...



A coisa mais banal adquire encanto simplesmente quando não revelada.

A naturalidade não é mais do que uma pose, a pose mais irritante que conheço.

A consciência e a covardia são de fato a mesma coisa. A consciência é a marca comercial da firma. Mais nada.

Eu estabeleço uma norma para diferenciar bem as pessoas. Escolho os amigos pela beleza, os conhecidos pelas qualidades de caráter, e os inimigos pelas de inteligência. Todo o cuidado é pouco na escolha dos inimigos. Não tenho um único que seja estúpido. São todos homens de capacidade intelectual e, por conseguinte, todos me apreciam. Será isto vaidade?

Os que são fiéis conhecem apenas o lado trivial do amor, os infiéis são precisamente aqueles que conhecem o seu lado trágico.

Porque exercer a nossa influência sobre alguém é darmos a própria alma. Esse alguém deixa de pensar com os pensamentos que Lhe são inerentes, ou de se inflamar com as suas próprias paixões. As suas virtudes não lhe são reais. Os seus pecados - se é que os pecados existem - são emprestados. Tal pessoa passa a ser o eco da música de outrem, o ator de um papel que não foi escrito para si. O objetivo da vida é o nosso desenvolvimento pessoal. Compreender perfeitamente a nossa natureza - é para isso que estamos cá neste mundo.

Somos punidos pelas nossas rejeições. Todo o impulso que esforçadamente asfixiamos fica a fermentar no nosso espírito, e envenena-nos. O corpo peca uma vez, e mais não precisa, pois a ação é um processo de purificação. E nada fica, a não ser a lembrança de um prazer, ou o luxo de um pesar. Ceder a uma tentação é a única maneira de nos libertarmos dela. Se lhe resistimos, a alma enlanguesce, adoece com as saudades de tudo o que a si mesma proíbe, e de desejo por tudo o que as suas leis monstruosas converteram em monstruosidade e ilegalidade.

A única diferença entre um capricho e uma paixão para toda a vida é que o capricho dura um pouco mais.

Atualmente, as pessoas sabem o preço de tudo e não sabem o valor de coisa nenhuma.

Meu caro rapaz, pessoas frívolas são aquelas que amam só uma vez na vida. Àquilo a que chamam lealdade e fidelidade, chamo eu letargia do hábito ou falta de imaginação. A fidelidade está para a vida emocional como a coerência está para a vida do intelecto, quer dizer, uma simples confissão de fracassos. A fidelidade! Preciso de a analisar um dia destes. Existe nela a paixão pela posse. Há muitas coisas que atiraríamos fora se não receássemos que os outros as pudessem apanhar.

Havia venenos tão sutis que para conhecer as suas propriedades era preciso adoecer, experimentando-os. Havia doenças tão invulgares que tinha que se passar por elas para se compreender a sua natureza. E, porém, a recompensa recebida era enorme! Como o mundo se tornava maravilhoso aos nossos olhos! Observar a lógica rigorosa e singular da paixão e a vida colorida e emocional do intelecto, atentar nos pontos em que se encontravam e se separavam, no ponto de concórdia e no de discórdia... que prazer havia em tudo isso! Não importava o custo que havia que pagar! Nunca era demasiado elevado o preço de qualquer sensação.
Estar apaixonado é ir para além de si mesmo.

Gostamos de pensar tão bem dos outros porque temos medo de nós mesmos. A base do otimismo é simplesmente o terror. Consideramo-nos generosos porque atribuímos ao nosso semelhante o mérito de possuir aquelas virtudes que poderão vir a beneficiar-nos.

Ser bom é estar de harmonia consigo mesmo. O conflito é ser obrigado a estar de harmonia com os outros.

Existem apenas dois tipos de pessoas que são realmente fascinantes: as que sabem absolutamente tudo e as que não sabem absolutamente nada.

Que importância tem o verdadeiro lapso de tempo? Só as pessoas fúteis precisam de anos para se libertarem de qualquer emoção. Um homem que seja senhor de si consegue pôr fim a uma tristeza com a mesma facilidade com que inventa um prazer. Não quero ficar à mercê das minhas emoções. Quero usá-las, desfrutá-las e dominá-las.

Além disso, cada vez que se ama é a única vez que já se amou. A diferença no objeto do amor não altera a integridade da paixão. Só lhe dá mais intensidade. Na melhor das hipóteses, podemos ter na vida apenas uma experiência magnífica, e o segredo da vida está em reproduzir essa experiência tantas vezes quanto possível.

A vida não é regida pela vontade ou pela intenção. A vida é uma questão de nervos, e fibras, e células que se formam lentamente, e onde o pensamento se oculta e a paixão constrói os seus sonhos. Você pode imaginar-se seguro, e considerar-se forte. Mas a tonalidade ocasional de um quarto ou de um céu matutino, um certo perfume de que um dia gostou e que traz consigo subtis recordações, um verso de um poema esquecido que reencontrou, a cadência de uma música que deixou de tocar... são essas as coisas de que dependem as nossas vidas.

30 de mar. de 2010

A desconstrução das certezas absolutas.

"Vocês, para entrarem aquim tiveram que dar respostas certas para as diversas perguntas do vestibular. Agora, nesses 5 anos, chegou a hora de desmontar todas as certezas; e, quando não restar mais nenhuma certeza absoluta, aí sim vocês poderão sair daqui e viver como seres humanos."


Professor Geraldo Prado, na Palestra sobre Acesso à Justiça realizada no dia 30/03/2010 na Universidade Estadual do Rio de Janeiro.



Nem preciso dizer o impacto dessas palavras na vida de qualquer pessoa. De fato, a descontrução das certezas absolutas é um dos passos para a aprendizagem, para o conhecimento, porque só quando nos permitimos conhecer e digerir novas ideias é que podemos adquirir um algo a mais. Muitas pessoas se apegam às suas convicções e simplesmente as carregam a vida inteira como corretas e absolutas. É uma opção, evidentemente. Longe de mim está julgar alguém pelas escolhas que faz na vida, mas quando se trata de aprendizagem, é certo que as "certezas absolutas" são uma pedra no caminho.
Achei bastante interessante a colocação do professor, principalmente porque ultimamente tenho acabado com muitas certezas e, graças a isso, tenho me proporcionado experiências muito esclarecedoras. No fundo, tudo é incerteza; nós é que temos essa necessidade de escolher algo como certo para nos dar um pouco de conforto e praticidade.
Discutir sem chegar a uma conclusão parece uma perda de tempo nos dias atuais. E as certezas absolutas são os pontos finais de qualquer discussão.

24 de mar. de 2010

Santa Clarice.




Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.

Minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite.

Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho.

Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.

Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada.

Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam.

Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.

Terei toda a aparência de quem falhou, e só eu saberei se foi a falha necessária.

...estou procurando, estou procurando. Estou tentando me entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda.

Passei a vida tentando corrigir os erros que cometi na minha ânsia de acertar.

...passava o resto do dia representando com obediência o papel de ser.

Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato...
Ou toca, ou não toca.

É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo.

O que verdadeiramente somos é aquilo que o impossível cria em nós.

Porque há o direito ao grito.
então eu grito.

Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo - quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação.

É uma infâmia nascer para morrer não se sabe quando nem onde.

Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil.

O que importa afinal, viver ou saber que se está vivendo?

Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.

Como se ela não tivesse suportado sentir o que sentira, desviou subitamente o rosto e olhou uma árvore. Seu coração não bateu no peito, o coração batia oco entre o estômago e os intestinos.

Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes que aqui caleidoscopicamente registro.

E se me achar esquisita,
respeite também.
até eu fui obrigada a me respeitar.

Eu não sou tão triste assim, é que hoje eu estou cansada.

Sou um coração batendo no mundo.

...faz de conta que ela nao estava chorando por dentro -
pois agora mansamente, embora de olhos secos, o coração estava molhado;
ela saíra agora da voracidade de viver.

É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo.

Não se conta tudo porque o tudo é um oco nada.

E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior que eu mesma, e não me alcanço.

Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros.

Fique de vez em quando só, senão será submergido. Até o amor excessivo pode submergir uma pessoa.

Com todo perdão da palavra, eu sou um mistério para mim.

Olhe, tenho uma alma muito prolixa e uso poucas palavras.
Sou irritável e firo facilmente.
Também sou muito calmo e perdôo logo.
Não esqueço nunca.
Mas há poucas coisas de que eu me lembre.

Gosto do modo carinhoso do inacabado, do malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno vôo e cai sem graça no chão.

É que por enquanto a metarmofose de mim em mim mesma não faz sentido. É uma metamorfose em que eu perco tudo o que tinha, e o que sou. E agora o que sou? Sou: estar de pé diante de um susto. Sou: o que vi. Não entendo e tenho medo de entender, o material do mundo me assusta, com seus planetas e baratas.

Sou como você me vê.
Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania,
Depende de quando e como você me vê passar.

Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa todo entendimento. Renda-se como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Eu sou uma pergunta.

Me deram um nome e me alienaram de mim.

Eu sou mais forte do que eu.

Não tenho tempo pra mais nada, ser feliz me consome muito.

Uns cosem pra fora, eu coso pra dentro.

Talvez a pergunta vazia fosse apenas para que um dia alguém não viesse a dizer que ela nem ao menos havia perguntado. Por falta de quem lhe respondesse ela mesma parecia se ter respondido: é assim porque é assim.

Senti que podia. Fora feita para libertar. Libertar era uma palavra imensa, cheia de mistérios e dores.

Minhas desequilibradas palavras são o luxo do meu silêncio.

Aceitar-me plenamente? É uma violentação de minha vida.
Cada mudança, cada projeto novo causa espanto:meu coração está espantado.
É por isso que toda minha palavra tem um coração onde circula sangue.

Respeite mesmo o que é ruim em você - respeite sobretudo o que imagina que é ruim em você - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse seu único meio de viver.

Escuta: eu te deixo ser, deixa-me ser então.

Há momentos na vida em que sentimos tanto a falta de alguém que o que mais queremos é tirar essa pessoa de nossos sonhos e abraçá-la.

Amor será dar de presente ao outro a própria solidão? Pois é a última coisa que se pode dar de si.

Perder-se também é caminho.

Inútil querer me classificar,eu simplesmente escapulo não deixando. Gênero não me pega mais.

...uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida.

Não se pode andar nú nem de corpo nem de espírito.

Ouve-me, ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. Capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso.

Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripé estável. Essa terceira perna eu perdi.E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas. Sei que somente com as duas pernas é que posso caminhar.Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar...

Às vezes sentava-se na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com seu amante.

Quanto a mim mesma, sempre conservei uma aspa à esquerda e outra à direita de mim.

...a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.

E, antes de aprender a ser livre, eu agüentava – só para não ser livre.

Eu sou nostálgica demais, pareço ter perdido alguma coisa não se sabe onde e quando.

Sou composta por urgências: minhas alegrias são intensas; minhas tristezas, absolutas. Me entupo de ausências, me esvazio de excessos. Eu não caibo no estreito, eu só vivo nos extremos.

O Senhor pode conferir. Eu fiz tudo certo, só errei quando coloquei sentimento. Só fiz bobagens e me dei mal quando ouvi este louco coração de criança que insiste em não endurecer e se recusa a envelhecer.

Todos os dias, quando acordo, vou correndo tirar a poeira da palavra amor...









Preciso comentar alguma coisa?

Clarice Lispector é o que há.

Rato na Roda * Pitty

Tenho pressa, eu vou correr
Sempre há muito o que fazer
Nem parece o mesmo lugar
Minha adorável gaiola dourada

Agradeço pela ração
Aqui tudo está sempre a mão
Um cantinho pra eu me deitar
Uma bola pra me acalmar

Sempre correndo mais e mais e mais...

Vê é simples
Eu nem me importo mais
Sempre seguindo
pra nunca chegar

Veio dizendo: Já é tarde!
Intensifica a ansiedade
Vidros, quartos e pessoas
Cordões de isolamento e tudo mais

Te cuido tanto aqui
Te dou o que quiser
É só me divertir
E não tentar fugir

(Rato na Roda - Pitty)




Engraçado. Nunca imaginei que uma disciplina com o nome de "Métodos e Técnicas de Pesquisa Jurídica" fosse ser tão produtiva e empolgante. É impagável a identificação que tive com as coisas que foram faladas na aula e a posterior reflexão e constatação que ela me proporcionou. O assunto abordado foi a sociedade contemporânea conduzida pela razão técnica, moldada por uma perspectiva funcional, prática, que gera um distanciamento entre as pessoas e uma insegurança com relação ao futuro.
De fato, hoje é tudo rápido, o que se busca é o efeito imediato das coisas, a utilidade prática dos atos. É a era da tecnologia, da correria, em que tudo se torna obsoleto rapidamente. A moda é não ter tempo pra nada, é ter a rotina completa de atividades e terminar o dia com os pés doloridos do sapato que foi usado o dia inteiro. Não é de se admirar que o trabalho hoje seja visto como escravidão. Não poderia ser diferente. No entanto, o que nos escraviza não é o trabalho; o trabalho não é ruim. Estamos submetidos a essa nova ordem, buscamos ganhar dinheiro e mais dinheiro e mais dinheiro. Atualmente, o conhecimento não é um fim em si mesmo, é um instrumento para se chegar a determinado fim. E é esse fim, que nos escraviza, é o dinheiro que nos submete e nos faz menos humanos.
Chaplin traduz essa submissão do homem com relação ao dinheiro por meio de uma relação de escravidão do homem com relação à máquina, que é o "supra sumo" da sociedade moderna. Não vou nem começar a falar de "Tempos Modernos" porque não conseguiria terminar esse post.
Enfim... O fato é que fiquei pensando em todas essas coisas e acabei não indo estudar... Acho que estou perdendo a praticidade.

23 de mar. de 2010

Sou movida pelos meus princípios, pelo que tenho como correto, por aquilo que me faz sentir mais eu. Se tropeço, me desvio do meu caminho, há algo mais forte que me recompõe e que me faz enxergar de novo o trajeto que escolhi pra mim. Não há destino definido,há apenas um lugar para onde queremos ir e cujo pensamento nos aquece com esperança, mesmo sem que haja sequer um motivo racional ou lógico. Alguns chamam o destino de céu. Eu chamo o caminho de felicidade.

22 de mar. de 2010

Fiéis e inteligentes - Martha Medeiros




As mulheres acabam de ganhar um belo argumento contra os don juans: segundo uma pesquisa divulgada recentemente, homens fiéis são mais inteligentes que os infiéis. Dito assim, parece conversa pra boi dormir, mas há uma informação importante por trás desse resultado. Satoshi Kanazawa, especialista em psicologia evolutiva da London Schools of Economics, descobriu que há uma mudança de mentalidade em curso, e essa é a grande notícia.

Todos sabem a força da cultura herdada. De geração em geração, homens lidam com sexo de uma maneira menos romântica que as mulheres. Realizam suas fantasias e desejos à revelia de seu estado civil, amparados pela teoria ancestral de que nasceram para espalhar o maior número de sementinhas e assim garantir a permanência da espécie. Com um álibi bom desses, a infidelidade masculina acabou sendo considerada apenas uma travessura, e, se a traição magoava as parceiras fixas, azar das parceiras fixas. Perde-se um ônibus, logo vem outro, não é o que dizem?

O que o Sr. Kanazawa revelou ao mundo é que os homens começaram a perceber que esse rodízio pode ter um alto custo emocional. O sexo clandestino é muito divertido e o risco de ser descoberto pode deixá-lo ainda mais saboroso, mas se for realmente descoberto, surpresa: já não haverá uma Amélia para perdoar. Antigamente, as mulheres faziam olho branco não só porque “homem é assim mesmo”, mas porque a sociedade não recebia de braços abertos as desquitadas, e, além de sozinhas, elas teriam que viver de pensão e reduzir seu padrão de consumo, sem falar no trauma causado aos filhos. Uma derrocada familiar que era facilmente evitada: bastava fingir que nada estava acontecendo.

Hoje, independentes financeiramente, com a sociedade as reverenciando e conhecedoras de truques para não envelhecer jamais, as mulheres já não têm por que ficar aturando desaforo. Se a linha de ônibus deles é frequente, a nossa também, basta fazer um sinal. Mas não é a variedade que costuma nos dar uma bela história de vida pra contar.

Afora as imutáveis diferenças hormonais que determinam o comportamento sexual de machos e fêmeas, o aspecto cultural pode realmente estar passando por uma evolução. Os homens mais inteligentes (cuja pesquisa inclui também os ateus e os politicamente liberais, mas nisso ninguém se ateve) são aqueles que estão atentos às transformações sociais e que se deram conta de que mais vale ter uma mulher incrível ao lado do que uma coleção de biscates, e resolveram reduzir a farta distribuição de sementinhas. Sendo homens seguros, não precisam copiar o padrão machista de seus pais e avós. Captaram, com mais rapidez que os neurologicamente desfavorecidos, que o risco de perder a mulher amada é grande e que a fidelidade pode ser um bom investimento em longo prazo. Como é que ficaram tão espertos?

Precisaram ficar. Suas mães e avós, também muito inteligentes, pavimentaram essa mudança antes deles.






Esse texto saiu no Jornal "O Globo" no dia 14 de março de 2010. Nem preciso dizer que foi mais uma curiosa peripécia do destino, que insiste em me fazer pensar sobre a situação da mulher na sociedade. Depois de fazer redações para cursos pré-vestibulares, de ler sobre o papel da mulher e toda a sua condição, me deparo com essa brilhante colocação de Martha Medeiros. Certamente muito diferente de tudo o que já li e vi a respeito. Para todos aqueles que ainda levantam aquela velha questão da sensibilidade e da emotividade femininas, surge uma mulher que simplesmente oferece uma justificativa racional, perfeitamente plausível e lógica para a fidelidade.
É, dessa vez os homens não escapam mesmo... A arcaica ótica machista está se perdendo na sociedade atual, levando a uma revisão da condição da mulher dentro da sociedade e fazendo com que até mesmo os homens tenham que se adaptar a esta nova realidade.
Não defendo o pseudo-feminismo. Defendo a verdadeira igualdade de sexos, que tanto envolve a dessacralização da imagem feminina da "Amélia" e a submissão da mulher quanto a divisão da conta do restaurante e das despesas da casa. Fim do cavalheirismo? Nada contra ele... mas quando ele se torna um mecanismo de subjugação, de inferiorização da mulher não é válido. E há mulheres que ainda se aproveitam dele; e estas sim, mais que os homens, deixando de lado o verdadeiro propósito da igualdade, é que impedem a evolução deste processo.
Se eu pudesse dar um conselho a todas as mulheres, diria, parafraseando Jane Elliot: "Mulher vá além da beleza... Torne-se competente, torne-se capaz". E é esta a mensagem que gostaria de deixar. Mulheres, repensem suas condições na sociedade, avaliem as possibilidades e não deixem que nada e ninguém defina os seus propósitos. Conquistem seus espaços, corram atrás do que é de vocês.

Memórias

Memórias, não são só memórias
São fantasmas que me sopram aos ouvidos
Coisas que eu nem quero saber


(Pitty)


How happy is the blameless vestal's lot!
The world forgetting, by the world forgot.
Eternal sunshine of the spotless mind!
Each pray'r accepted, and each wish resign'd.


(Alexander Pope)



Lembranças... O que somos sem elas?
Elas podem nos torturar, podem nos modificar, nos levar à loucura.
Por diversas vezes temos vontade, um enorme e profundo desejo de apagá-las todas, de esquecer tudo.
Mas não há vida sem passado. Não há morte sem culpa.

Quando de mim expurgavam estrelas
e nasciam asas
conhecia a sensação proibida
o mistério da alma
que se perdeu na eternidade
de um sonho bom.

Sem título


Nunca sei que título colocar no início de um texto. Acho que na verdade não sei como resumir aquilo que vi e que senti. Sou um resumo ambulante e não preciso de título. Por que o texto precisaria?

11 de mar. de 2010

Valsa Com Bashir

"A memória é dinâmica, é viva. Se faltarem alguns detalhes, a memória preencherá as lacunas com coisas que nunca aconteceram."

O filme vale a pena. Recomendo.