22 de mar. de 2010

Fiéis e inteligentes - Martha Medeiros




As mulheres acabam de ganhar um belo argumento contra os don juans: segundo uma pesquisa divulgada recentemente, homens fiéis são mais inteligentes que os infiéis. Dito assim, parece conversa pra boi dormir, mas há uma informação importante por trás desse resultado. Satoshi Kanazawa, especialista em psicologia evolutiva da London Schools of Economics, descobriu que há uma mudança de mentalidade em curso, e essa é a grande notícia.

Todos sabem a força da cultura herdada. De geração em geração, homens lidam com sexo de uma maneira menos romântica que as mulheres. Realizam suas fantasias e desejos à revelia de seu estado civil, amparados pela teoria ancestral de que nasceram para espalhar o maior número de sementinhas e assim garantir a permanência da espécie. Com um álibi bom desses, a infidelidade masculina acabou sendo considerada apenas uma travessura, e, se a traição magoava as parceiras fixas, azar das parceiras fixas. Perde-se um ônibus, logo vem outro, não é o que dizem?

O que o Sr. Kanazawa revelou ao mundo é que os homens começaram a perceber que esse rodízio pode ter um alto custo emocional. O sexo clandestino é muito divertido e o risco de ser descoberto pode deixá-lo ainda mais saboroso, mas se for realmente descoberto, surpresa: já não haverá uma Amélia para perdoar. Antigamente, as mulheres faziam olho branco não só porque “homem é assim mesmo”, mas porque a sociedade não recebia de braços abertos as desquitadas, e, além de sozinhas, elas teriam que viver de pensão e reduzir seu padrão de consumo, sem falar no trauma causado aos filhos. Uma derrocada familiar que era facilmente evitada: bastava fingir que nada estava acontecendo.

Hoje, independentes financeiramente, com a sociedade as reverenciando e conhecedoras de truques para não envelhecer jamais, as mulheres já não têm por que ficar aturando desaforo. Se a linha de ônibus deles é frequente, a nossa também, basta fazer um sinal. Mas não é a variedade que costuma nos dar uma bela história de vida pra contar.

Afora as imutáveis diferenças hormonais que determinam o comportamento sexual de machos e fêmeas, o aspecto cultural pode realmente estar passando por uma evolução. Os homens mais inteligentes (cuja pesquisa inclui também os ateus e os politicamente liberais, mas nisso ninguém se ateve) são aqueles que estão atentos às transformações sociais e que se deram conta de que mais vale ter uma mulher incrível ao lado do que uma coleção de biscates, e resolveram reduzir a farta distribuição de sementinhas. Sendo homens seguros, não precisam copiar o padrão machista de seus pais e avós. Captaram, com mais rapidez que os neurologicamente desfavorecidos, que o risco de perder a mulher amada é grande e que a fidelidade pode ser um bom investimento em longo prazo. Como é que ficaram tão espertos?

Precisaram ficar. Suas mães e avós, também muito inteligentes, pavimentaram essa mudança antes deles.






Esse texto saiu no Jornal "O Globo" no dia 14 de março de 2010. Nem preciso dizer que foi mais uma curiosa peripécia do destino, que insiste em me fazer pensar sobre a situação da mulher na sociedade. Depois de fazer redações para cursos pré-vestibulares, de ler sobre o papel da mulher e toda a sua condição, me deparo com essa brilhante colocação de Martha Medeiros. Certamente muito diferente de tudo o que já li e vi a respeito. Para todos aqueles que ainda levantam aquela velha questão da sensibilidade e da emotividade femininas, surge uma mulher que simplesmente oferece uma justificativa racional, perfeitamente plausível e lógica para a fidelidade.
É, dessa vez os homens não escapam mesmo... A arcaica ótica machista está se perdendo na sociedade atual, levando a uma revisão da condição da mulher dentro da sociedade e fazendo com que até mesmo os homens tenham que se adaptar a esta nova realidade.
Não defendo o pseudo-feminismo. Defendo a verdadeira igualdade de sexos, que tanto envolve a dessacralização da imagem feminina da "Amélia" e a submissão da mulher quanto a divisão da conta do restaurante e das despesas da casa. Fim do cavalheirismo? Nada contra ele... mas quando ele se torna um mecanismo de subjugação, de inferiorização da mulher não é válido. E há mulheres que ainda se aproveitam dele; e estas sim, mais que os homens, deixando de lado o verdadeiro propósito da igualdade, é que impedem a evolução deste processo.
Se eu pudesse dar um conselho a todas as mulheres, diria, parafraseando Jane Elliot: "Mulher vá além da beleza... Torne-se competente, torne-se capaz". E é esta a mensagem que gostaria de deixar. Mulheres, repensem suas condições na sociedade, avaliem as possibilidades e não deixem que nada e ninguém defina os seus propósitos. Conquistem seus espaços, corram atrás do que é de vocês.

Um comentário:

Anônimo disse...

Lindo lindo! Belo comentário! Vou copiar+colar no meu blog!!! Linkando para vc, claro.