25 de abr. de 2010

The Edukators



Jedes Herz ist eine revolutionäre Zelle.

(Todo coração é uma célula revolucionária.)

Das Vantagens de Ser Bobo - Clarice Lispector



O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando."

Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia.

O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.

Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranqüilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu.

Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?"

Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!

Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.

O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem.

Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!

Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.

São tempos difíceis para os sonhadores. (O Fabuloso Destino de Amélie Poulain)

Como pode um filme mudar a sua vida?

Esse é um questionamento que me faço com freqüência, e, buscando a resposta, percebo que só posso encontrá-la por meio de uma análise dos filmes que alteraram significativamente a minha percepção do mundo.



Le fabuleux destin d'Amélie Poulain (O Fabuloso Destino de Amélie Poulain) é certamente um desses filmes. Não somente pelo sentimentalismo e pela simplicidade, que são suas marcas principais, mas também pela identificação surpreendente que tive com a personagem. É como se Amélie pudesse traduzir muitas das minhas mais freqüentes indagações e tivesse a capacidade de oferecer possibilidades, chances de escolha, alternativas a meus questionamentos cotidianos. A sensibilidade de uma garota que recuperou a própria vida dando vida aos outros: é esse o ponto chave do filme. A maneira como Amélie interfere na vida alheia, com a intenção de simplesmente ajudar, de fornecer o sopro de vida que muitas vezes lhe falta, e a tradução de seus pensamentos e sentimentos fazem com que sejamos transportados para dentro de nós mesmos e promovem uma reflexão tão profunda quanto o próprio sentido do filme. Para aqueles que podem sentir o sopro de vida, que podem escutar corações batendo, que podem ler olhares e perceber almas, esse certamente é um dos melhores filmes.

Como pode O Fabuloso Destino de Amélie Poulain mudar a sua vida?
Impossível transpor em palavras. Só sentindo pra saber.



Pintor: "Ela prefere imaginar uma relação com alguém ausente do que criar laços com aqueles que estão presentes."
Amelie: "Hummm, pelo contrário. Talvez faça de tudo para arrumar a vida dos outros."
Pintor: "E ela? E as suas desordens? Quem vai pôr em ordem?"


A vida é o interminável ensaio de uma peça que nunca se realizará.


Quando o dedo aponta para o céu o idiota olha o dedo.



Se Amelie prefere viver no sonho e ser uma moça introvertida é direito dela. Pois estragar a própria vida é um direito inalienável.

Estranho o destino dessa jovem mulher, privada dela mesma, porém, tão sensível ao charme das coisas simples da vida...

Então, pequena Amélie, os teus ossos não são feitos de vidro. Podes levar algumas pancadas da vida. Se deixares escapar esta oportunidade, eventualmente o teu coração vai ficar tão seco e quebradiço como o meu esqueleto. Então, vai apanhá-lo!





Amélie vai ao cinema de vez em quando, às sextas. "Gosto de observar na escuridão as caras dos outros espectadores. E de notar o pequeno pormenor que mais ninquém verá. Mas odeio nos antigos filmes americanos que os condutores não olhem para a estrada." Amélie não tem nenhum homem; Experimentou uma ou duas vezes mas o resultado ficou aquém da expectativa. Em vez disso cultiva um gosto especial pelos pequenos prazeres. Mergulhar a mão em sacas de grão, partir o queimado do leite-creme com a ponta da colher...Fazer ricochetes na água do Canal St.Martin.






Sem você a emoção de hoje seria a pele morta da emoção do passado.

20 de abr. de 2010

Noite na Taverna - Álvares de Azevedo

Melhores trechos...


E ela!?... ela no meio de sua melancolia, de sua tristeza e sua palidez, ela sorria as vezes quando cismava sozinha, mas era um sorrir tão triste que doía.

Meu amor era sempre o mesmo: eram sempre noites de esperança e de sede que me banhavam de lágrimas o travesseiro. Só as vezes a sombra de um remorso me passava, mas a imagem dela dissipava todas essas névoas...

E curvei me no abismo: tudo era negro, o vento lá gemia embaixo nos ramos desnudos, nas urzes, nos espinhais ressequidos, e a torrente lá chocalhava no fundo escumando nas pedras.
Eu tive medo.

O passado é o que foi, é a flor que murchou, o sol que se apagou, o cadáver que apodreceu. Lágrimas a ele? fora loucura! Que durma com suas lembranças negras! revivam: acordem apenas os miosótis abertos naquele pântano! Sobreágüe naquele não ser o eflúvio de alguma lembrança pura!

Quem Vai Queimar? - Pitty

E queimem as bruxas
Deixa queimar...
E queimem as bruxas
Quem vai queimar?

Quem ordena a execução
Não acende a fogueira



É, Igreja Católica. A casa caiu.

19 de abr. de 2010

Escrever.



O que fazer com o que eu sinto? Não há nada a fazer senão escrever... Não há outro meio de expressar esse fluido inexplicável capaz de alterar e desequilibrar toda uma estrutura perfeitamente montada e organizada. Não há melhor maneira de externar uma desorganização do que escrever. Afinal, as palavras podem ser bem desordenadas, podem excluir o nexo e o sentido daquilo que se quer transmitir. Escrever é dar vida ao sentimento, é deixar que ele transborde os limites do corpo e da mente e passe para outro plano: o do leitor. Quem lê é receptor dessa energia estranha, que se enche de várias subjetividades quantos forem os leitores. Escrever é entregar a própria alma a um desconhecido destinatário, que, no fim, irá transformá-la em parte de sua própria existência.

A Sombra - Pitty


Eu quero saber me querer
Com toda a beleza e abominação
Que há em mim

Stranger things have happened...

I can change, I can change, I can change, but who you want me to be?
I'm the same, I'm the same, I'm the same, oh do you want me to be?

You're not alone, dear loneliness
You forgot but I remember this
So stranger things have happened, I know


Foo Fighters - Stranger Things Have Happened



Essa música traduz um pouco do momento que estou vivenciando. A dura escolha de ser. Quem eu quero ser, afinal? Ser uma metamorfose ambulante tem lá seus prós, mas a falta de uma constância às vezes me incomoda, me força a escolher um caminho certo. Quem eu quero ser? Qual caminho escolher? Viver é uma sucessão de escolhas e caminhos incertos, que irão nos levar a lugares desconhecidos, cheios de mistérios e sentimentos. Penso que não há caminho certo ou errado, não há melhor ou pior caminho, e é isso que tanto me aflige, porque não há critério de escolha.
Sempre busquei tomar as rédeas da minha própria vida, mas ela tem me desnorteado e me feito tropeçar nos caminhos que não escolhi, que segui cegamente por um motivo ou outro. Não sei onde estou pisando, estou ébria nesta realidade louca que meu sistema imunológico desenvolveu. Não sei onde me encontro, não sei. Será que perder-se também é mesmo caminho, minha cara Clarice?

7 de abr. de 2010

Tua - Por Livia Leal




Silenciosamente e
Desesperadamente
eu tento
exprimir o inexprimível
E as palavras que me saem
são poucas
são fracas
Ah! como eu queria
que elas pudessem dizer-te o que sinto
mergulhada em mim
Que ausência perturbadora!
Contar-te onde me procuro
e onde não me encontro
Para que pudesses me ver
Eu
e somente
e só
e simplesmente
e toda
tua.

Mais um dia e a poesia ainda sorri pra mim. A compreensão está muito além dos sentidos. Os pássaros cantando. Tão incomum e tão divino é ver a vida como um pássaro cantante. E, no entanto, quantos pássaros cantam! E quanta vida há que pensamos não poder alcançar. E o sentimento que existe, ele todo, pode. E nós não vemos; talvez não saibamos. Mas poesia não basta; esperança, também. A batalha começa mesmo com um passo único.

Hoje teremos um bom dia. O sol saiu, os pássaros cantam. Posso ouvi-los agora mesmo. O seu sorriso pode ser um passo único.

6 de abr. de 2010

Uma música chuvosa para um dia chuvoso...



Try Again - Keane

I fell asleep on a late night train
I missed my stop and I went round again
Why would I want to see you now?
To fix it up, make it up somehow.

Baby I'll try again, try again
Baby I die every night, every time

What I was isn't what I am
I'd change back but I don't know if I can

Still I'll try, try again, try again
Baby I die every night, every time

But I was made the way I am
I'm not a stone; I'm just a man
Lay down your arms and I will lay down mine
Rip back the time that we've been wasting

God I wish you could see me now
You'd pick me up and you'd sort me out

3 de abr. de 2010

Morte.

Motivo - Cecília Meireles

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.






Um dia todos nós estaremos mudos, essa é a lei da vida. E o que fica é a saudade da melodia, do ritmo da pessoa que se foi. Fica um chiado meio angustiante, o eco da música que um dia foi cantada. Quem vai leva sua voz. Para quem fica, só resta escutar o som que vai se apagando aos poucos até não restar mais ruídos.
Este post é dedicado a todos aqueles que ainda escutam melodias que já se foram.
Porque a saudade nada mais é do que um eco infinito de um som que já se foi.