28 de jul. de 2010

Desafeto - Marla de Queiroz

Não quero mais o beijo molhado, o derretimento castanho dos olhos, o sorriso sacana. Não creio mais em tardes febris ou saudades desesperadas. Tudo é verbo, verso, papo furado. Tudo pode ser rasgado, cuspido, jogado no lixo. Obra prima perdida em rasuras. Poesia sem calor de corpo. Paixão destituída de loucura. Fogo morto.

Não quero mais o encaixe de tudo, o perfume da pele, a carícia dos dedos. Não creio mais em noites acesas, em madrugadas intensas, em manhãs de luxúria. Tudo é fome e desejo de saciedade. Tudo é espera por novidades. Displicência de afetos, perda de tempo, sexo sem vontade.

Não quero mais sensações de eternidade, abraços pra sempre, sussurros de amor. Creio em frases desacompanhadas, em palavras cruas, textos sem autor. Tudo é falta de comprometimento, tudo é vácuo, vazio, relento. Tudo é falta de rumo, um peito apertado, tristeza sem dor...




Acho que meu momento foi lido por uma desconhecida...

Fonte: http://doidademarluquices.blogspot.com/2010/06/desafeto.html

27 de jul. de 2010

O Livro - Livia leal


Ela tinha revirado tudo. Revirado a bolsa, a carteira, o armário, a alma. Ela precisava ter aquele livro. Não se sabia o porquê de tamanho desejo, mas ela estava realmente decidida a conquistá-lo. Conquistar é a palavra certa. Ter e somente possuí-lo não era o suficiente; ela precisava descobrir um meio de chegar até ele, de desvendá-lo em sua sutil condição de livro. Descobri-lo era um mistério que ela queria assumir. Atravessou ruas, avançou sinais entre os carros, andava a passos largos, procurando-o. Passou pela Sete de Setembro, avistou uma Livraria Saraiva.


- Não, moça, no momento não há nenhum exemplar disponível nessa loja, mas a senhora pode encomendar.


Não, ela não poderia encomendá-lo. Ela precisava dele no presente, ela sentia uma necessidade tão sufocante que só acabaria ao tê-lo em mãos. Andou um pouco mais, com o coração disparado, até a Livraria da Travessa. Depois de muita procura, a inevitável decepção:


- Não o temos aqui.


Era visível a desolação em seu olhar, a tristeza que já não poderia esconder. Ela iria até o fim do mundo para consegui-lo. Naquele estado de necessidade, tudo era possível. Até que veio a luz, o feixe de esperança por que tanto aguardara.


- Não tem esse livro aqui, mas tem um exemplar disponível em outra filial nossa, a uns 15 minutos daqui.


A distância não importava mesmo. Agradeceu. Saiu apressada em busca daquilo que estava fazendo com que perdesse o ar. Não se sabia de onde tirava fôlego para andar na Rio Branco, desviando sempre de outras pessoas mais afoitas ainda por motivos que nem poderia passar por sua cabeça neste momento. Era só ele que importava. Por ele, ela correria contra o tempo e contra qualquer obstáculo. Somente para tê-lo em mãos e, enfim, saboreá-lo. O coração nem cabia no peito, os pés pareciam flutuar em uma corrente que a levava àquilo, que era mais que um sonho. Cada minuto que se passava era menos tempo em que ainda estava separada dele; e como era insustentável a falta que ele fazia! Já quase na Presidente Vargas, avistara a livraria. Era lá onde ele repousava, esperando pela sua dona. E era para lá que ela deveria correr. Tirou o casaco e percebeu que o suor molhava sua blusa e, como ventava, ficou arrepiada, um arrepio que se misturava à sensação de frio na barriga, de um nervoso bom de algo que estava prestes a ocorrer: o encontro. Parou no balcão, e disse o nome que a impulsionava àquela jornada. O homem, então, como se já o tivesse separado, pôs o livro em suas mãos. Ele não poderia ter mesmo idéia do quanto esperara por aquele instante, quando poderia finalmente tocá-lo com suas próprias mãos, sentir a textura de suas páginas e sentir seu cheiro novo. Como alguém que acabara de cometer um crime, pôs o livro na bolsa e saiu, correndo para chegar em algum lugar seguro onde pudesse abri-lo. Queria tempo, desejava senti-lo com cuidado, aproveitando cada segundo daquele encontro. Chegou em casa, depois de trinta minutos da mais pura ansiedade, sentou em sua cama e entrou em contato com aquele mundo novo, prestes a fazer parte da sua vida.


Já não era mais menina com livro nem mulher com amante. Era simplesmente um ser humano diante de um mistério capaz de mudar sua vida, de dar um tom diferente à sua existência.

17 de jul. de 2010

Mulheres Possíveis - Martha Medeiros

Eu não sirvo de exemplo para nada, mas, se você quer saber se isso é possível, me ofereço como piloto de testes.
Sou a Miss Imperfeita, muito prazer.
Uma imperfeita que faz tudo o que precisa fazer, como boa profissional, mãe e mulher que também sou: trabalho todos os dias, ganho minha grana, vou ao supermercado três vezes por semana, decido as refeições, levo os filhos no colégio e busco, almoço com eles, estudo com eles, telefono para minha mãe a noite, procuro minhas amigas, namoro, viajo, vou ao cinema, pago minhas contas, respondo a toneladas de e-mails, faço revisões no dentista, mamografia, caminho meia hora diariamente, compro flores para casa, estudo, levo o carro no mecânico, providencio os consertos domésticos, participo de eventos e reuniões ligados à minha profissão, levo o cachorro passear e ainda faço escova toda semana - e as unhas!
E, entre uma coisa e outra, leio livros.
Portanto, sou ocupada, mas não uma workaholic.
Por mais disciplinada e responsável que eu seja, aprendi duas coisinhas que operam milagres.
Primeiro: a dizer NÃO.
Segundo: a não sentir um pingo de culpa por dizer NÃO.
Culpa por nada, aliás.
Existe a Coca Zero, o Fome Zero, o Recruta Zero.
Pois inclua na sua lista a Culpa Zero.
Quando você nasceu, nenhum profeta adentrou a sala da maternidade e lhe apontou o dedo dizendo que a partir daquele momento você seria modelo para os outros
Seu pai e sua mãe, acredite, não tiveram essa expectativa: tudo o que desejaram é que você não chorasse muito durante as madrugadas e mamasse direitinho.
Você não é Nossa Senhora.
Você é, humildemente, uma mulher.
E, se não aprender a delegar, a priorizar e a se divertir, bye-bye vida interessante.
Porque vida interessante não é ter a agenda lotada, não é ser sempre politicamente correta, não é topar qualquer projeto por dinheiro, não é atender a todos e criar para si a falsa impressão de ser indispensável.
É ter tempo.
Tempo para fazer nada.
Tempo para fazer tudo.
Tempo para dançar sozinha na sala.
Tempo para bisbilhotar uma loja de discos.
Tempo para sumir dois dias com seu amor.
Três dias.
Cinco dias!
Tempo para uma massagem.
Tempo para ver a novela.
Tempo para receber aquela sua amiga que é consultora de produtos de beleza.
Tempo para fazer um trabalho voluntário.
Tempo para procurar um abajur novo para seu quarto.
Tempo para conhecer outras pessoas.
Voltar a estudar.
Para engravidar... curtir os filhos.
Tempo para escrever um livro que você nem sabe se um dia será editado.
Tempo, principalmente, para descobrir que você pode ser perfeitamente organizada e profissional sem deixar de existir.
Porque nossa existência não é contabilizada por um relógio de ponto ou pela quantidade de memorandos virtuais que atolam nossa caixa postal.
Existir, a que será que se destina?
Destina-se a ter o tempo a favor, e não contra.
A mulher moderna anda muito antiga. Acredita que, se não for super, se não for mega, se não for uma executiva ISO 9000, não será bem avaliada.
Está tentando provar não-sei-o-quê para não-sei-quem.
Precisa respeitar o mosaico de si mesma, privilegiar cada pedacinho de si.
Mulher é mulher, não pode parecer um homem!
Se o trabalho é um pedaço de sua vida, ótimo!
Nada é mais elegante, charmoso e inteligente do que ser independente.
Mulher independente, fica muito mais sexy e muito mais livre para ir e vir.
Desde que lembre de separar alguns bons momentos da semana para usufruir essa independência, senão é escravidão, a mesma que nos mantinha trancafiadas em casa, espiando a vida pela janela.
Desacelerar tem um custo.
Talvez seja preciso esquecer a bolsa Prada, o hotel decorado pelo Philippe Starck e o batom da M.A.C.
Mas, se você precisa vender a alma ao diabo para ter tudo isso, francamente, está precisando rever seus valores.
E descobrir que uma bolsa de palha, uma pousadinha rústica à beira-mar e o rosto lavado (ok, esqueça o rosto lavado) podem ser prazeres cinco estrelas e nos dar uma nova perspectiva sobre o que é, afinal, uma vida interessante.

Arnaldo Jabor

Hoje, refletindo sobre o efeito do nada sobre porra nenhuma, me dei conta de que este é o único país do mundo governado por um analfabeto e alcoólatra, que assinou uma reforma ortográfica e instituiu uma lei seca....

Doidas e santas - Martha Medeiros

"Estou no começo do meu desespero/e só vejo dois caminhos:/ou viro doida ou santa". São versos de Adélia Prado, retirados do poema A Serenata. Narra a inquietude de uma mulher que imagina que mais cedo o ou mais tarde um homem virá arrebatá-la, logo ela que está envelhecendo e está tomada pela indecisão - não sabe como receber um novo amor não dispondo mais de juventude. E encerra: "De que modo vou abrir a janela, se não for doida? Como a fecharei, se não for santa?".

Adélia é uma poeta danada de boa. E perspicaz. Como pode uma mulher buscar uma definição exata para si mesma estando em plena meia-idade, depois de já ter trilhado uma longa estrada onde encontrou alegrias e desilusões, e tendo ainda mais estrada pela frente? Se ela tiver coragem de passar por mais alegrias e desilusões - e a gente sabe como as desilusões devastam - terá que ser meio doida. Se preferir se abster de emoções fortes e apaziguar seu coração, então a santidade é a opção. Eu nem preciso dizer o que penso sobre isso, preciso?

Mas vamos lá. Pra começo de conversa, não acredito que haja uma única mulher no mundo que seja santa. Os marmanjos devem estar de cabelo em pé: como assim, e a minha mãe???

Nem ela, caríssimos, nem ela.

Existe mulher cansada, que é outra coisa. Ela deu tanto azar em suas relações que desanimou. Ela ficou tão sem dinheiro de uns tempos pra cá que deixou de ter vaidade. Ela perdeu tanto a fé em dias melhores que passou a se contentar com dias medíocres. Guardou sua loucura em alguma gaveta e nem lembra mais.

Santa mesmo, só Nossa Senhora, mas cá entre nós, não é uma doideira o modo como ela engravidou? (não se escandalize, não me mande e-mails, estou brin-can-do).

Toda mulher é doida. Impossível não ser. A gente nasce com um dispositivo interno que nos informa desde cedo que, sem amor, a vida não vale a pena ser vivida, e dá-lhe usar nosso poder de sedução para encontrar "the big one", aquele que será inteligente, másculo, se importará com nossos sentimentos e não nos deixará na mão jamais. Uma tarefa que dá para ocupar uma vida, não é mesmo? Mas além disso temos que ser independentes, bonitas, ter filhos e fingir de vez em quando que somos santas, ajuizadas, responsáveis, e que nunca, mas nunca, pensaremos em jogar tudo pro alto e embarcar num navio-pirata comandado pelo Johnny Depp, ou então virar uma cafetina, sei lá, diga aí uma fantasia secreta, sua imaginação deve ser melhor que a minha.

Eu só conheço mulher louca. Pense em qualquer uma que você conhece e me diga se ela não tem ao menos três dessas qualificações: exagerada, dramática, verborrágica, maníaca, fantasiosa, apaixonada, delirante. Pois então. Também é louca. E fascina a todos.

Todas as mulheres estão dispostas a abrir a janela, não importa a idade que tenham. Nossa insanidade tem nome: chama-se Vontade de Viver até a Última Gota. Só as cansadas é que se recusam a levantar da cadeira para ver quem está chamando lá fora. E santa, fica combinado, não existe. Uma mulher que só reze, que tenha desistido dos prazeres da inquietude, que não deseje mais nada? Você vai concordar comigo: só sendo louca de pedra.

8 de jul. de 2010



Esta pergunta foi a vencedora em um congresso sobre vida sustentável.


Todo mundo 'pensando' em deixar um planeta melhor para nossos filhos... Quando é que 'pensarão' em deixar filhos melhores para o nosso planeta?

7 de jul. de 2010

Incomplete - Alanis Morissette



One day I'll find relief
I'll be arrived
And I'll be a friend to my friends
Who know how to be friends

One day I'll be at peace
I'll be enlightened
And I'll be married with children
And maybe adopt

One day I will be healed
I will gather my wounds
Forge the end of tragic comedy

I have been running so sweaty my whole life
Urgent for a finish line
And I have been missing the rapture this whole time
Of being forever incomplete

One day my mind will retreat
And I'll know God
And I'll be constantly one
With her night dusk and day

One day I'll be secure
Like the women I see
On their 30th anniversaries

I have been running so sweaty my whole life
Urgent for a finish line
And I have been missing the rapture this whole time
Of being forever incomplete

Ever unfolding
Ever expanding
Ever adventurous
And torturous
But never done

One day I will speak freely
I'll be less afraid
And measured outside of my poems
And lyrics and art

One day I will be faith-filled
I'll be trusting and spacious
Authentic and grounded
And whole

I have been running so sweaty my whole life
Urgent for a finish line
And I have been missing the rapture this whole time
Of being forever incomplete




Tradução

Um dia eu encontrarei alívio
Eu estarei atingida
E eu serei amiga dos meus amigos
que sabem como serem amigos

Um dia eu estarei em paz
Eu estarei esclarecida
E eu estarei casada, com crianças
e talvez adotadas

Um dia eu estarei curada
Eu colherei meus ferimentos
forjando o fim de uma trágica comédia

Eu estive correndo tão suada em toda a minha vida
Urgente por uma linha final
E eu tenho sentido saudades do enlevo todo esse tempo
Por ser para sempre incompleta

Um dia, minha mente irá regressar,
E eu conhecerei Deus
E eu serei constantemente aquela
com sua noturna penumbra e dia

Um dia eu estarei segura,
igual às mulheres que eu vejo
em seus trigésimos aniversários

Eu estive correndo tão suada em toda a minha vida
Urgente por uma linha final
E eu tenho sentido saudades do enlevo todo esse tempo
Por ser para sempre incompleta

Sempre germinando
Sempre expandindo
Sempre aventurosa
E tortuosa
Mas nunca feita

Um dia, Eu falarei livremente
Eu estarei com menos medo
E uniforme fora dos meus poemas
E letras e artes

Um dia eu estarei cheia de fé
Eu estarei confiando e vastamente
autêntica e estabilizada
e inteira

Eu estive correndo tão suada em toda a minha vida
Urgente por uma linha final
E eu tenho sentido saudades do enlevo todo esse tempo
Por ser para sempre incompleta

5 de jul. de 2010

Bertold Brecht - Quem se defende



Quem se defende porque lhe tiram o ar
Ao lhe apertar a garganta, para este há um parágrafo
Que diz: ele agiu em legitima defesa. Mas
O mesmo parágrafo silencia
Quando vocês se defendem porque lhes tiram o pão.
E no entanto morre quem não come, e quem não come o suficiente
Morre lentamente. Durante os anos todos em que morre
Não lhe é permitido se defender.

Bertold Brecht - O Analfabeto Político




O pior analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão,
do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio
dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia
a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta,
o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista,
pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo.

Bertold Brecht - I



Do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas as
margens que o comprimem.

1 de jul. de 2010

Mafalda - "Democracia"


Não amo ninguém - Cazuza




Se todo alguém que ama
Ama pra ser correspondido
Se todo alguém que eu amo
É como amar a lua inacessível
É que eu não amo ninguém
Não amo ninguém
Eu não amo ninguém, parece incrível
Não amo ninguém
E é só amor que eu respiro