12 de set. de 2010

Quando fiquei presa em minha liberdade - Por Danielle Magalhães


Conheci o caos.
Me reconheci
Me ajeitei
Me encontrei
E até gostei.
Achava tudo tão divertido
Minha desordem era bonita, como se contivesse as marcas do tempo.
Eu me sentia mais velha
Mais desapegada
Mais amadurecida
E até um pouco cansada, anos-luz de vida.

Um dia, transpareci que eu simplesmente não estava
Apática, eu estava demasiadamente cansada.
Impotente, extremamente confusa.
Já não me encontrava em minha bagunça.
Minha desordem tamanha não era só externa.
Eu percebi que eu estava asfixiada.
Eu gritava por já não conseguir falar
Mas o que ressoava era silêncio.
Eu estava agonizando.
Ilusão e lucidez, completa e tristemente perdida.
Encaixando coisas como meros paliativos, há muito tempo.

Viver o tempo. Viver e não esperar. Correr
Saber de tudo.
Até não mais enxergar.
Precisei me lembrar que até meu pensamento começava a falhar
Em ininterruptos esquecimentos.

De tanto pensar, me fiz labirinto. Perdida, a vida me forçou a parar.
Arrumar. Organizar.
Agora, não quero pressa, não.
Mas também não quero retardar.
A vida e o mundo pedem pressa.
Mas eu só vou me resolver com a calma, sem atropelar.
Não quero a vista cansada
De tanto enxergar.
Quero olhos saudáveis
Por saberem piscar, meditar e filtrar.
Não quero me sentir velha caduca reumática.
Precisamos todos nos cuidar, arrumar e recomeçar.
Cada um com seu tempo
Cada um faz sua hora.
O mistério é não cair no extremo.
Se cair fundo, o desespero angustia.
Causa sofrimento, físico, moral e emocional.
Tudo é muito difícil, sim. Não se deve ficar acomodado.
Viver não tem fórmula. Todos temos escuridões e abismos.
Mas precisamos encontrar algo, sentidos – que não sejam tiros, ao escuro, senão tudo terá sido em vão.
Enxergar belezas é preciso.
Tocar pra frente, sem se acostumar com os desagrados.
Não engolir tantos sapos
Senão será tragado por todos os não-ditos.
Mas ter cuidado com as pessoas. Deixando-as bem, com vontade de Ser, com respeito e liberdade.
E dosar, também, para não se martirizar, porque tudo dói muito e viver não é leveza.
Mas não pode ser um repleto martírio.
Você tem seu tempo. Eu tenho o meu. Não nos atropelemos.
Encontremo-nos. Livres, mas sempre unidos.
E assim estaremos, ininterruptamente, seguindo, respirando, vivos, de mãos dadas.
Sem nos perdermos demais. Sem nos afastarmos demais.
Neste viver que é um torpor
De lirismo, ficção, sobriedade e realidade.

Sigamos... Almas livres. Corações conjuntos.

11 de set. de 2010

PEC da Felicidade está pronta para ser votada na CCJ

A chamada "PEC da Felicidade" está pronta para ser votada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e poderá constar da pauta da próxima reunião do colegiado, depois das eleições. Essa Proposta de Emenda à Constituição, de autoria do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), visa ressaltar que os direitos sociais mencionados no artigo 6º da Constituição são essenciais à busca da felicidade. O relator da matéria, senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), apresentou voto pela aprovação.

Pela PEC (19/10), o artigo 6º da Constituição passará a ter a seguinte redação: "são direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados".

Ao justificar a proposta, Cristovam argumenta que a busca da felicidade só é possível se os direitos essenciais estiverem garantidos. "Todos os direitos previstos na Constituição - sobretudo, aqueles tidos como fundamentais - convergem para a felicidade da sociedade", afirma o senador. Cristovam acrescenta que recente estudo de economistas brasileiros apresentou critérios objetivos para determinar o grau de felicidade dos brasileiros. Segundo a pesquisa, informou ele, fatores como renda, emprego e estado civil influenciam no nível de felicidade das pessoas.

Em seu relatório, o senador Arthur Virgílio apresentou emenda para adequar a ementa da PEC ao objetivo da proposta. Assim, a ementa passa a ser: "Altera o art. 6º da Constituição Federal para direcionar os direitos sociais à realização da felicidade individual e coletiva". A redação original explica que a proposta "Altera o artigo 6º da Constituição Federal para incluir o direito à busca da Felicidade por cada individuo e pela sociedade, mediante a dotação pelo Estado e pela própria sociedade das adequadas condições de exercício desse direito". A forma como estava redigida a ementa vinha causando confusão com relação aos objetivos da PEC. A proposta de Cristovam recebeu críticas porque a ementa dá a entender que a finalidade é garantir, na Constituição, o direito à felicidade.


Interessante, mas utópico. Acho que a Constituição está abraçando muito mais do que pode alcançar no mundo dos fatos. Queria que o propósito das leis se refletisse nos homens, na mentalidade de cada pessoa, mas é algo bem distante do que ocorre na realidade, infelizmente.

8 de set. de 2010

Hitler no Brasil – Por Livia Leal

Imagem: Tijolo nazista feito na década de 40 no Brasil para colônia nazista.
Fonte:
http://avare.olx.com.br/itc/comment-about-tijolo-nazista-da-decada-de-40-feito-no-brasil-para-colonia-nazista-id-25547522-c-1

Se eu pudesse dar um título alternativo a este texto, certamente seria the ugly truth (a verdade feia, a verdade que dói).

Por trás da velha capa da moralidade, tenho percebido cada vez mais, entre uma conversa e outra, a presença do bigodinho que tanto alvoroço causou na Segunda Guerra Mundial. Sim, é dele mesmo que estou falando, do insano Hitler de ideias insanas e atitudes mais insanas ainda. A questão é: nossas atitudes e pensamentos têm mesmo levado em consideração que ideias tão perturbadoras são de fato perturbadoras? Tenho medo dessa resposta e tenho mais medo ainda quando se trata de quem vai dar a solução. Quanto a isso em particular, não tenho mais tantas dúvidas: Hitler está no Brasil. Quer ver?

Outro dia estava sentada ao lado de uma senhora no ônibus. Era uma senhorinha de serenidade estampada no rosto, inofensiva, daquelas que a gente ajuda a atravessar a rua ou cede a vez na fila do banco. Pensei em fazer alguma consideração sobre o tempo (aliás, o tempo no Rio de Janeiro tem ficado cada vez mais imprevisível), quando ela simplesmente soltou:

- Tá vendo aquela moça ali? – disse, apontando para uma mulher de rua grávida que passava – Tem mais é que castrar mesmo!

Não soube o que dizer. Acho que Heil, Hitler seria uma consideração adequada, mas a pobre velhinha poderia não entender a ironia e acabar sentindo-se ofendida. Pensei em explicar a ela que esterilizar seria o termo técnico correto, que castrar era utilizado para animais, mas cheguei a conclusão de que era mesmo essa sua intenção: tirar a humanidade daquelas pessoas. Como se ela pudesse tamanho disparate! E como se coubesse a ela decidir quem pode ter filho e quando pode ter filho.

Quanto aos direitos humanos, é melhor nem começar a falar, porque corro o risco de ser acusada de cúmplice de bandido ou algo como “louca utópica”. Direitos humanos viraram tabu, e quem ousa defendê-los merece ter seu pai seqüestrado ou sua filha atingida por um assaltante, pra ver o que é bom pra tosse.

E as favelas? Aaahhh... Joga logo uma bomba que tudo está resolvido, e o Rio de Janeiro vai ter paz novamente! Rezo a Deus todos os dias para que não surja um sujeito achando que isso é o certo, porque aprovação popular é o que não vai faltar. E sinto calafrios em pensar que é possível um novo Hitler, um Hitler que está escondido em muitos coraçõezinhos amedrontados e encolhidos, esperando apenas um Capitão Nascimento real, capaz de botar ordem nessa bagunça toda.

O que estão fazendo de nós? Em que estamos nos transformando? Olhamos com pavor o Holocausto, mas mantemos a mesma mentalidade mesquinha e fascista de outrora. Como se a vida humana pudesse ser definida por uma ação de um louco qualquer, que julga estar fazendo o melhor para todos quando simplesmente esconde assassinatos em massa, sob um pretexto muito maior que qualquer nível de compreensão.

Não sei. Também me sinto confusa quando observo a guerra civil que tem ocorrido lá fora, além da minha janela. Penso em inúmeras soluções, mas nenhuma parece boa o bastante ou suficiente para efetivamente melhorar a situação.

Mas estou certa de uma coisa: Hitler está no Brasil. Entre as alternativas dadas, entre as medidas que tem sido tomadas, entre pensamentos de cidadãos comuns de boa índole, entre as conversas de cada dia no ônibus, na escola, na sala, na esquina, Hitler está lá, com seu bigodinho de sempre, disfarçado de boas intenções, de soluções possíveis, de senso comum. E ainda me dá muitos calafrios perceber essa presença.

2 de set. de 2010

As coisas que a gente faz para se torturar - Martha Medeiros


Adianta ficar batendo a cabeça na parede porque perdeu uma oportunidade rara de chamar uma garota para sair? Entendo, você não costuma encontrá-la, não sabe seu telefone, seu sobrenome, seu endereço, onde ela trabalha, teve a chance e deixou escapar, mas vai passar quantos meses se lamuriando como se ela fosse a última mulher do mundo?

E isso ainda é tortura leve. Tem gente com vocação real para carrasco e que não sossega enquanto não sacrifica a si próprio. Que gente? Todos nós.

Há os que têm certeza de que, se estão vivendo uma boa fase hoje, pagarão o preço amanhã, e imaginam direitinho como: sofrerão um acidente, perderão o emprego, serão traídos. Não é possível que esteja tudo bem, assim, no mole, de graça. Algo vai acontecer, é só colocar a imaginação pra funcionar.

Falei em traição? Bah! Um clássico. O relacionamento de vocês é mais firme do que bloco de concreto, não há o menor indício de que possa entrar água, mas ainda assim você não resiste em se martirizar. Qualquer dez minutos de atraso, qualquer ligação telefônica não atendida, qualquer desatenção vira indício de que algo está sendo escondido. E você não se aquieta enquanto não descobre o que não existe, enquanto o outro não confessa o crime que não cometeu.

Além disso, há uma doença secreta se desenvolvendo no seu estômago, no seu cérebro, na sua corrente sanguínea. Os exames não revelaram, os médicos não descobriram, os sintomas não apareceram, mas são favas contadas, você está condenado.

Pensamentos mórbidos com morte. Imaginar cenas de os filhos correndo risco, de o apartamento sendo invadido por marginais, de você morrendo sozinho sem ninguém descobrir seu corpo por dias: filmes de terror que não saem de cartaz na sua cabeça.

Relutamos em aceitar que, se a tragédia não bateu à nossa porta, não foi por engano, e sim por uma contingência da vida. Não bateu, passou reto, não voltará para cobrar a conta que não é devida.

Mas só um curso de imersão budista com o próprio Dalai Lama para fazer a gente abandonar os grilhões a que nos aprisionamos voluntariamente. Imagina se logo você será poupado. Quá! Você não é bobo, não quer ser pego de surpresa, então passa a vida se preparando psicologicamente para a dor, torturando a si mesmo para, quando chegar a hora, estar tão acostumado com o sofrimento que nem doerá tanto.

É a danada da culpa que não permite que sejamos felizes sem ter que pagar penitência por tamanho privilégio.

Pai é um só - Martha Medeiros


Mãe é tudo igual, só muda de endereço.

Não concordo 100% com essa afirmação, mas é verdade que nós, mães, temos lá nossas semelhanças. Basta reunir uma meia-dúzia num recinto fechado para se comprovar que, quando o assunto é filho, as experiências são praticamente xerox umas das outras.

Por outro lado, quem arriscaria dizer que pai é tudo farinha do mesmo saco? Nunca foram devidamente valorizados, nunca receberam cartilhas de conduta e sempre passaram longe da santificação. Cada pai foi feito à imagem e semelhança de si mesmo.

As meninas, assim que nascem, já são tratadas como pequenas "nossas senhoras" e começam a ser catequizadas: "Mãe, um dia você vai ser uma". E dá-lhe informação, incentivo e receitas de como se sair bem no papel. Outro dia, vi uma menina de não mais de três anos empurrando um carrinho de bebê com uma boneca dentro. Já era uma minimãe. Os meninos, ao contrário, só pensam nisso quando chega a hora, e aí acontece o que se vê: todo pai é fruto de um delicioso improviso.

Tem pai que é desligado de nascença, coloca o filho no mundo e acha que o destino pode se encarregar do resto. Ou é o oposto: completamente ansioso, assim que o bebê nasce já trata de sumir com as mesas de quinas pontiagudas e de instalar rede em todas as janelas, e vá convencê-lo de que falta um ano para a criança começar a caminhar.

Tem pai que solta dinheiro fácil. E pai que fecha a carteira com cadeado. Tem pai que está sempre em casa, e outros, nunca. Tem pai que vive rodeado de amigos e pai que não sabe o que fazer com suas horas de folga. Tem aqueles que participam de todas as reuniões do colégio e outros que não fazem ideia do nome da professora. Tem pai que é uma geleia, e uns que a gente nunca viu chorar na vida. Pai fechado, pai moleque, pai sumido, pai onipresente. Pai que nos sustenta e pai que é sustentado por nós. Que mora longe, que mora em outra casa, pai que tem outra família, e pai que não desgruda, não sai de perto jamais. Tem pai que sabe como gerenciar uma firma, contruir um prédio, consertar o motor de um carro, mas não sabe direito como ser pai, já que não foi treinado, ninguém lhe deu um manual de instruções. Ser pai é o legítimo "faça você mesmo".

Alguns preferem não arriscar e simplesmente obedecem suas mulheres, que têm mestrado e doutorado no assunto. Mas os que educam e participam da vida dos filhos a seu modo é que perpetuam o charme desta raça fascinante e autêntica. Verdade seja dita: há muitas como sua mãe, mas ninguém é como seu pai.