9 de out. de 2010

‘Tudo aquilo que é visível a coração nu’ - Por Livia Leal


Há algumas semanas vi um menino de rua brincando com um cone. Isso mesmo, um daqueles cones laranjas que a gente vê por aí e às vezes é mais respeitado do que gente quando tá no meio da rua. Só sei que vi o menino com aquele cone enfiado na cabeça e dançando de um jeito tão engraçado que esqueci que ele era um menino, que era de rua, que eu era uma menina, que eu estava ali simplesmente voltando pra casa. Me perdi naquele momento de um jeito tão sutilmente envolvente como se um veneno poderoso houvesse me paralisado. Eu estava em sintonia com aquele menino, com aquele instante de dança, de esquecimento, de ligação. Me senti presa àquela cena, era como se eu fizesse parte dela e ela nem desse mundo fosse. Um menino dançando com um cone enterrado na cabeça... Ele era a lei e a anti-lei, era o real e o transcendental, tudo misturado, bagunçado, confuso e apaixonante. E eu estava apaixonada, de coração inexplicavelmente nu.
Quando dei por mim, já era hora de descer do ônibus. Percebi tudo aquilo que era visível a olho nu e que é rapidamente superado. Eu jamais superaria aquele momento, porque foi, era e continua sendo um instante único: o momento em que enxerguei de coração nu aquele menino dançando com o cone na cabeça.
Tudo aquilo que é visível a coração nu permanece, porque somente despido de preconceitos, regras, moralismos e medos o coração pode ver os detalhes que podem dar algum sentido à existência e que tocam sem que sequer sejam percebidos.

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