28 de jun. de 2010

Dez conselhos para os militantes da esquerda - Frei Betto

1. Mantenha viva a indignação.
Verifique periodicamente se você é mesmo de esquerda. Adote o critério de Norberto Bobbio: a direita considera a desigualdade social tão natural quanto a diferença entre o dia e a noite. A esquerda encara-a como uma aberração a ser erradicada.
Cuidado: você pode estar contaminado pelo vírus social-democrata, cujos principais sintomas são usar métodos de direita para obter conquistas de esquerda e, em caso de conflito, desagradar aos pequenos para não ficar mal com os grandes.

2. A cabeça pensa onde os pés pisam.
Não dá para ser de esquerda sem "sujar" os sapatos lá onde o povo vive, luta, sofre, alegra-se e celebra suas crenças e vitórias. Teoria sem prática é fazer o jogo da direita.

3. Não se envergonhe de acreditar no socialismo.
O escândalo da Inquisição não faz os cristãos abandonarem os valores e as propostas do Evangelho. Do mesmo modo, o fracasso do socialismo no Leste europeu não deve induzi-lo a descartar o socialismo do horizonte da história humana. O capitalismo, vigente há 200 anos, fracassou para a maioria da população mundial. Hoje, somos 6 bilhões de habitantes. Segundo o Banco Mundial, 2,8 bilhões sobrevivem com menos de US$ 2 por dia. E 1,2 bilhão, com menos de US$ 1 por dia. A globalização da miséria só não é maior graças ao socialismo chinês que, malgrado seus erros, assegura alimentação, saúde e educação a 1,2 bilhão de pessoas.

4. Seja crítico sem perder a autocrítica.
Muitos militantes de esquerda mudam de lado quando começam a catar piolho em cabeça de alfinete. Preteridos do poder, tornam-se amargos e acusam os seus companheiros(as) de erros e vacilações. Como diz Jesus, vêem o cisco do olho do outro, mas não o camelo no próprio olho. Nem se engajam para melhorar as coisas. Ficam como meros espectadores e juízes e, aos poucos, são cooptados pelo sistema. Autocrítica não é só admitir os próprios erros. É admitir ser criticado pelos(as) companheiros(as).

5. Saiba a diferença entre militante e "militonto".
"Militonto" é aquele que se gaba de estar em tudo, participar de todos os eventos e movimentos, atuar em todas as frentes. Sua linguagem é repleta de chavões e os efeitos de sua ação são superficiais. O militante aprofunda seus vínculos com o povo, estuda, reflete, medita; qualifica-se numa determinada forma e área de atuação ou atividade, valoriza os vínculos orgânicos e os projetos comunitários.

6. Seja rigoroso na ética da militância.
A esquerda age por princípios. A direita, por interesses. Um militante de esquerda pode perder tudo - a liberdade, o emprego, a vida. Menos a moral. Ao desmoralizar-se, desmoraliza a causa que defende e encarna. Presta um inestimável serviço à direita. Há pelegos disfarçados de militante de esquerda. É o sujeito que se engaja visando, em primeiro lugar, sua ascensão ao poder. Em nome de uma causa coletiva, busca primeiro seu interesse pessoal. O verdadeiro militante - como Jesus, Gandhi, Che Guevara - é um servidor, disposto a dar a própria vida para que outros tenham vida. Não se sente humilhado por não estar no poder, ou orgulhoso ao estar. Ele não se confunde com a função que ocupa.

7. Alimente-se na tradição da esquerda.
É preciso oração para cultivar a fé, carinho para nutrir o amor do casal, "voltar às fontes" para manter acesa a mística da militância. Conheça a história da esquerda, leia (auto)biografias, como o "Diário do Che na Bolívia", e romances como "A Mãe", de Gorki, ou "As Vinhas de Ira", de Steinbeck.

8. Prefira o risco de errar com os pobres a ter a pretensão de acertar sem eles.
Conviver com os pobres não é fácil. Primeiro, há a tendência de idealizá-los. Depois, descobre-se que entre eles há os mesmos vícios encontrados nas demais classes sociais. Eles não são melhores nem piores que os demais seres humanos. A diferença é que são pobres, ou seja, pessoas privadas injusta e involuntariamente dos bens essenciais à vida digna. Por isso, estamos ao lado deles. Por uma questão de justiça. Um militante de esquerda jamais negocia os direitos dos pobres e sabe aprender com eles.

9. Defenda sempre o oprimido, ainda que aparentemente ele não tenha razão.
São tantos os sofrimentos dos pobres do mundo que não se pode esperar deles atitudes que nem sempre aparecem na vida daqueles que tiveram uma educação refinada. Em todos os setores da sociedade há corruptos e bandidos. A diferença é que, na elite, a corrupção se faz com a proteção da lei e os bandidos são defendidos por mecanismos econômicos sofisticados, que permitem que um especulador leve uma nação inteira à penúria. A vida é o dom maior de Deus. A existência da pobreza clama aos céus. Não espere jamais ser compreendido por quem favorece a opressão dos pobres.

10. Faça da oração um antídoto contra a alienação.
Orar é deixar-se questionar pelo Espírito de Deus. Muitas vezes deixamos de rezar para não ouvir o apelo divino que exige a nossa conversão, isto é, a mudança de rumo na vida. Falamos como militantes e vivemos como burgueses, acomodados ou na cômoda posição de juízes de quem luta. Orar é permitir que Deus subverta a nossa existência, ensinando-nos a amar assim como Jesus amava, libertadoramente.

16 de jun. de 2010

Doutores da Alegria - O engraçado é que é sério.


Sempre que vejo o documentário dos Doutores da Alegria, sinto uma coisa boa que não sei explicar. É como se eles tivessem o dom de tocar quem está assistindo da mesma forma que tocam os pacientes com quem se relacionam. E é como se eles conseguissem buscar o mais puro e simples que há dentro da gente. Como um verdadeiro palhaço.
Longe das amarras sociais, do aprisionamento a que nós mesmos nos submetemos. Como é difícil ser hoje em dia. Somos alguma coisa que criaram em nós, somos uma imagem que desejamos passar, somos a boa aparência, a lucidez, a normalidade, o comum. Deixamos de ser nós mesmos para sermos alguém que vive "em paz" nesse mundo. Mas que paz é essa? A que preço obtemos essa "paz"? Abdicamos de nós mesmos para vivermos em uma lucidez criada por alguém, que não faço a mínima ideia de quem seja. Retiramos muito da nossa individualidade, da nossa pureza, para convivermos. E o que é mais espantoso: essa convivência não se torna menos conflituosa com essa abdicação. Quando retiramos nossa loucura, nossa espontaneidade, o que fica é algo meio sem rosto, meio igual a tudo, meio igual a nada. Sim, estou incluída nisso também, mas é algo que me incomoda diariamente, que me faz querer ser, sem medo ou receio do que possa acontecer. No entanto, confesso que é preciso coragem, é necessária uma boa dose de coragem pra colocar a cara a tapa e mostrar que podemos ser sim, e não há quem impeça. Liberdade é isso. É abrir o coração sem medo, é ser mesmo ridículo, é não ter lógica, malícia, vaidade, receio. É ser um palhaço, um crítico social, cuja crítica consiste no fato de que não deve existir crítica alguma. É olhar pro outro e aceitá-lo completamente e ser também aceito.
Isso tudo pode parecer utópico, e eu até que estava me virando (bem?) sem a utopia. Mas um amigo meu essa semana me fez refletir sobre algumas coisas e teve a sensibilidade de me tocar com seu próprio sentimento. É realmente bom conviver com pessoas que exalam sentimento. Dessas opto por não me afastar nunca. Bem, o fato é que ele me mostrou a seguinte frase:

"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar."

(Eduardo Galeano)


Posso ser apenas mais uma sonhadora. Sim, são tempos difíceis para os sonhadores. Para mim também, não somente para você, cara Amelie. Mas eu sei que vai valer a pena. E isso basta.


Não deixe de conhecer esse trabalho fabuloso que os Doutores da Alegria realizam em diversos hospitais do Brasil. O site dos Doutores é: http://www.doutoresdaalegria.org.br/.

12 de jun. de 2010

Ter tempo. Nossa, como é bom ter tempo. Tempo para poder pensar no nada, tempo para poder olhar qualquer simples detalhe que passaria despercebido na correria do cotidiano. Por que para mim é tão difícil abrir mão desses momentos? É inexplicavelmente uma necessidade, é como um sopro de vida que é em mim fundamental. Posso agora respirar e desligar o piloto automático.
Desacelerar é preciso. Saber olhar o mundo com olhos descansados também. Rejuvenesce a alma, preenche o espírito.
E escrever...
Escrever é meu ópio, meu remédio para o tédio e para o cansaço. Escrever é como dar vida a uma canção sem ritmo, é tirar uma parte de mim mesma que está em desacordo (ou não) com todo o conjunto. Eu amo escrever, amo o milagre de poder transmitir um pouco da minha alma a alguém, de afetar alguém, mesmo que seja pelo não gostar. Não escrevo para que alguém goste, escrevo porque é uma necessidade, porque não há viabilidade de viver sem as palavras.

Eu escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida." (Clarice Lispector)