18 de dez. de 2013

O que não se aprende na escola - Por Livia Leal




Em meio a tantas teorias, discussões e doutrinas, subsiste o pobre do óbvio, já esquecido e fatigado; ninguém fala mais no que seria evidente. No entanto, meus caros amigos, até o óbvio precisa ser aprendido. Quer ver?

Tenho recebido uma série de convites para aulas de respiração. Quer coisa mais óbvia e vital do que oxigenar nossos pulmões? 

E a Fonoaudiologia, os cursos sobre como discursar, terapias da fala etc, etc...? Também é necessário saber expressar bem suas ideias, seus pensamentos e seus argumentos, ou ficará deslocado em seu ambiente de trabalho, nos almoços em família e até na mesa de bar com os amigos. Muita gente fala, fala e não diz nada; é preciso aprender a falar, a utilizar este recurso que aprendemos ainda bebês, mas para o qual muitos deixam de se atentar ao longo da vida. 

Até a visão tem andado comprometida. Tem gente que vê e finge que não viu; e outros que não veem e juram que assistiram de camarote. E aqueles que passam a vida inteira enxergando apenas um caminho, enquanto há uma variedade de novas possibilidades piscando bem ao lado? Nem se fala. Não nascemos sabendo enxergar. O mundo é uma luz turva que vai sendo delineada conforme damos sentido ao que presenciamos. Saber enxergar vai muito além do que vemos.

E escutar? Ah... esse ganha o prêmio! Ninguém para mais pra escutar obviedades como o som do mar à noite, o barulho do vento passando pelas folhas das árvores, a chuva caindo no telhado, o silêncio... Ouvimos, sim, tudo isso, mas não escutamos. Não paramos mais para sentir o som e o silêncio da vida. Tudo está dominado pela fugacidade dos momentos, das buzinas incessantes, dos sons eletrônicos. Escutamos mais os alertas do celular do que a nós mesmos. E o silêncio deixa de funcionar como paz de espírito e passa a significar solidão. Andamos tão vazios de nós mesmos que a obviedade de estar só, em silêncio, já incomoda.

E aí que entra o propósito desse texto. Muita gente pensa que amar faz parte do instinto, como se já nascêssemos sabendo o significado deste sentimento. A maior parte das pessoas exige do outro um amor quase natural, como obrigação existencial, e não é. É preciso aprender a amar também. O amor é, sim, aprendido ao longo da vida, construído conforme a relação com o outro se desenvolve. “Amor” à primeira vista não passa de mera simpatia. Amor de verdade é aquele aprendido e ensinado com o tempo, através de atitude e diálogo.

Enquanto muita gente fala, fala e não diz nada, enxerga apenas uma possibilidade, ouve, mas não escuta, muitos estão “amando” em vão, esperando um amor terminado e eterno. Enquanto não atentarmos para as obviedades, permaneceremos absortos em complexas teorias, buscando respostas que estão bem abaixo dos nossos narizes. 

Até o óbvio precisa ser aprendido.

7 de nov. de 2013

A insustentável leveza do ser




"O drama de uma vida sempre pode ser explicado pela metáfora do peso. Dizemos que temos um fardo nos ombros. Carregamos esse fardo, que suportamos ou não, lutamos com ele, perdemos ou ganhamos. O que precisamente aconteceu com Sabina? Nada. Deixara um homem porque quisera deixá-lo. Ele a perseguira depois disso? Quisera se vingar? Não. Seu drama não era o drama do peso, mas da leveza. O que se abatera sobre ela não era o fardo, mas a insustentável leveza do ser."

Milan Kundera

26 de out. de 2013

Einmal ist keinmal





“Einmal ist keinmal, says Tomas to himself. What happens but once, says the German adage, might as well not have happened at all. If we have only one life to live, we might as well not have lived at all.”


― Milan Kundera, The Unbearable Lightness of Being

Antes que elas cresçam - Affonso Romano de Sant'Anna





Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.

É que as crianças crescem. Independentes de nós, como árvores, tagarelas e pássaros estabanados, elas crescem sem pedir licença. Crescem como a inflação, independente do governo e da vontade popular. Entre os estupros dos preços, os disparos dos discursos e o assalto das estações, elas crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com alardeada arrogância.

Mas não crescem todos os dias, de igual maneira; crescem, de repente.

Um dia se assentam perto de você no terraço e dizem uma frase de tal maturidade que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.

Onde e como andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu? Cadê aquele cheirinho de leite sobre a pele? Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços, amiguinhos e o primeiro uniforme do maternal?

Ela está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça. Ali estão muitos pais, ao volante, esperando que saiam esfuziantes sobre patins, cabelos soltos sobre as ancas. Essas são as nossas filhas, em pleno cio, lindas potrancas.

Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão elas, com o uniforme de sua geração: incômodas mochilas da moda nos ombros ou, então com a suéter amarrada na cintura. Está quente, a gente diz que vão estragar a suéter, mas não tem jeito, é o emblema da geração.

Pois ali estamos, depois do primeiro e do segundo casamento, com essa barba de jovem executivo ou intelectual em ascensão, as mães, às vezes, já com a primeira plástica e o casamento recomposto. Essas são as filhas que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias e da ditadura das horas. E elas crescem meio amestradas, vendo como redigimos nossas teses e nos doutoramos nos nossos erros.

Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.

Longe já vai o momento em que o primeiro mênstruo foi recebido como um impacto de rosas vermelhas. Não mais as colheremos nas portas das discotecas e festas, quando surgiam entre gírias e canções. Passou o tempo do balé, da cultura francesa e inglesa. Saíram do banco de trás e passaram  para o volante de suas próprias vidas. Só nos resta dizer “bonne route, bonne route”, como naquela canção francesa narrando a emoção do pai quando a filha oferece o primeiro jantar no apartamento dela.

Deveríamos ter ido mais vezes à cama delas ao anoitecer para ouvir sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de colagens, posteres e agendas coloridas de pilô. Não, não as levamos suficientemente ao maldito “drive-in”, ao Tablado para ver “Pluft”, não lhes demos suficientes hambúrgueres e cocas, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas merecidas.

Elas cresceram sem que esgotássemos nelas todo o nosso afeto. 

No princípio, subiam a serra ou iam à casa de praia entre embrulhos, comidas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e amiguinhas. Sim, havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de sorvetes e sanduíches infantis. Depois chegou a idade em que subir para a casa de campo com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a turma aqui na praia e os primeiros namorados. Esse exílio dos pais, esse divórcio dos filhos, vai durar sete anos bíblicos. Agora é hora de os pais na montanha  terem a solidão que queriam, mas, de repente, exalarem contagiosa saudade daquelas pestes.

O jeito é esperar. Qualquer hora podem nos dar netos. O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco. Por isso, os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável afeição. Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto.

Por isso, é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que elas cresçam.

22 de out. de 2013

O mais cruel exercício à paciência - Livia Leal





Aprender a conviver com aquilo que não podemos mudar é o exercício mais cruel à nossa paciência. Quando lidamos com algo pelo qual podemos nos responsabilizar, vislumbramos como alternativa a possibilidade de mudança por meio da atitude positiva. No entanto, diante de acontecimentos que escorrem pelos nossos dedos e que nos influenciam sem que tenhamos qualquer chance de reação, vemos como única opção a submissão ao poder incerto de transformação do tempo. Aceitar que, embora sujeitos de nossa própria existência, dependemos muitas vezes desse traiçoeiro aliado requer um imenso esforço diário, que deve ser capaz de tirar dos nossos ombros a responsabilidade que é do mundo.

"Muss es sein? Es muss sein!"


27 de set. de 2013

How To Be Alone - Tanya Davis



"Society is afraid of alone though. Like lonely hearts are wasting away in basements. Like people must have problems if after a while nobody is dating them. But lonely is a freedom that breathes easy and weightless, and lonely is healing if you make it. You can stand swathed by groups and mobs or hands with your partner, look both further and farther in the endless quest for company.
But no one is in your head. And by the time you translate your thoughts an essence of them may be lost or perhaps it is just kept. Perhaps in the interest of loving oneself, perhaps all those “sappy slogans” from pre-school over to high school groaning, we’re tokens for holding the lonely at bay.
Cause if you’re happy in your head, then solitude is blessed, and alone is okay.
It’s okay if no one believes like you, all experience is unique, no one has the same synapses, can’t think like you, for this be relieved, keeps things interesting, life’s magic things in reach, and it doesn’t mean you aren’t connected, and the community is not present, just take the perspective you get from being one person in one head and feel the effects of it."

22 de set. de 2013

Maternidade - Uma História Muito Interessante





A Bíblia relata um julgamento histórico em que um rei, na qualidade de julgador de seu povo, precisa decidir sobre a maternidade de uma criança de colo. Narrados os fatos pelas querelantes, as duas estavam dormindo com os seus filhos recém-nascidos junto a elas, quando uma delas sufocou o seu filho com o peso de seu próprio corpo, matando-o. Aproveitando-se do adormecimento da outra mãe, retira o filho desta, trocando as crianças. As duas alegam a maternidade da criança viva, sem trazerem nenhuma prova ao rei, além de suas versões do fato. 
O sábio Rei Salomão, recém empossado no trono, se deparou, talvez, com o julgamento mais difícil de seu reinado. Entretanto, prontamente lhe veio a solução. Pediu uma espada e, diante da inexistência de provas, resolveu sentenciar utilizando-se da equidade. Determinou partir a criança em duas partes, dando às querelantes uma parte cada.
Uma delas prontamente aceitou a sentença, esperando a sua execução, para receber a sua parte. A outra, porém, o seu ventre se moveu e disse que não precisava fazer mal à criança. Se isso fosse realmente necessário, a criança poderia ser entregue à outra para que permanecesse viva.
O rei, quando viu a atitude desta última, percebeu que ela era realmente a mãe da criança e determinou que a entregassem a ela. 
Qual foi o critério utilizado pelo rei para determinar a maternidade? Teria sido o critério biológico? Os laços consanguíneos são capazes de modificar a conduta de uma pessoa, de modo a zelar por uma pessoa indefesa e de se privar de muitas coisas em favor desta criança? Qual foi a garantia de que a mulher que quis preservar a criança da partilha sanguinária era a mãe biológica?
A resposta deve ser negativa. O que modifica a conduta humana não é um laço de sangue, mas a convivência, a dedicação desmedida e o amor, fazendo com que as pessoas se modifiquem para atender às necessidades daqueles que amam. 

NEVES. Rodrigo Santos. Filiação, afeto e o padrasto: como tutelá-los. In: Revista Síntese de Direito de Família, n° 69, dez-jan, 2012.

4 de set. de 2013

O que fiz de minha vida? - Por Livia Leal




Quem nunca se pegou pensando nos sonhos que tinha quando criança, no desejo de virar bailarina, músico, astronauta, ou até mesmo professor, nos planos que criava para a família que iria ter, para a casa que iria construir, para o carro que iria dirigir, para a pessoa que iria ser? Quem nunca se deu conta de como o tempo passa rápido, de como os nossos sonhos vão ficando pelo caminho e outros novos vão surgindo, mas sem a simplicidade dos anteriores?

A vida adulta é mais difícil do que imaginávamos e muito mais exigente do que gostaríamos. Bem aventurados aqueles que conseguem manter-se fieis aos sonhos de criança e driblar as cicatrizes do tempo, serem plenamente realizados. Será que eles existem?

Eu mesma tento manter acesos meus sonhos de criança, mas hoje eles estão abafados, guardados e adiados por desejos que não são genuinamente meus, por prioridades impostas pelo tempo, que corre em uma outra sintonia que não é a minha, que é a de um outro alguém que foi sendo esculpido à medida em que a vida foi exigindo mais de mim.

O que fiz de minha vida? Nem eu mesmo sei. Estou vivendo uma órbita diferente, em um tempo que não reconheço como meu. Tento me encontrar, mas, na verdade, preciso me resgatar no ponto em que me despi de meus objetivos autênticos, de minha crença no mundo.

Meus sonhos de criança seguem adormecidos até que a mesma força do tempo possa reavivá-los. Enquanto isso, sigo buscando um refúgio só meu, um lugar “onde eu possa plantar meus amigos, meus discos e livros, e nada mais...”.

Elis sabia das coisas.

28 de jun. de 2013

Sparky




Ele foi reprovado em todas as matérias na sétima série. Foi reprovado em física no científico, com nota zero. Sparky também foi reprovado em latim, em álgebra e em inglês. Nos esportes, ele não foi nada melhor. Conseguiu entrar para o time de golfe da escola, mas perdeu o único jogo importante da temporada. Quando promoveram um jogo de consolação, ele também perdeu. Durante todo o tempo na escola, Sparky teve problemas com sociabilidade. Os outros alunos nem chegavam a não gostar dele, porque ninguém lhe dava importância suficiente para isso. Se algum colega lhe cumprimentasse, fora do horário de aula, era uma surpresa para Sparky. É como se ele não existisse. Não se sabe como foi sua vida sentimental, mas ele nunca convidou uma garota para sair, durante todo seu tempo na escola. Tinha medo de ser rejeitado.
Ele era um perdedor. Todo mundo sabia disso. Até ele mesmo. Mas havia uma coisa muito importante para ele: desenhar. Seus desenhos eram seu orgulho.
Certo é que ninguém, além dele mesmo, gostava dos desenhos. No último ano do científico, ele ofereceu alguns quadrinhos para os organizadores do livro de formatura. Os quadrinhos foram rejeitados. Mas Sparky estava convencido de seu talento e resolveu se tornar um artista profissional. Escreveu uma carta para os estúdios Walt Disney. Pediram que mandasse umas amostras do seu trabalho e sugeriram um tema para ele desenvolver. Ele desenhou os quadrinhos propostos. Trabalhou durante largo tempo. Esmerou-se tanto que acrescentou uma série de outros quadrinhos, além dos solicitados. Finalmente, quando recebeu a resposta dos estúdios Disney, descobriu que fora rejeitado. Mais uma derrota para o perdedor.
Ele decidiu, então, escrever sua própria biografia em quadrinhos. Descreveu a si mesmo quando criança – um garoto perdedor e que nunca conseguia se sobressair. Logo, o personagem de quadrinhos se tornaria famoso no mundo todo. Isto porque Sparky, o garoto para quem tudo dava errado, cujo trabalho fora rejeitado vezes sem conta, era Charlie Schulz.
Isso mesmo: o criador da tira Peanuts, do cachorro Snoopy e do pequeno personagem Charlie Brown. Um garotinho cuja pipa nunca voava e que nunca conseguia chutar uma bola de futebol.

21 de jun. de 2013




“Arthur Mendelson: Quantos dedos você vê?
Patch Adams: Quatro.
Arthur Mendelson: Não, não! Olhe além dos dedos! Agora me diga, quantos você vê?…
Arthur Mendelson: Você está focando no problema. Se focar no problema, não conseguirá ver a solução! Nunca foque no problema! Quantos você vê?
Arthur Mendelson: Olhe além dos dedos!
Patch Adams: …… oito!
Arthur Mendelson: Oito! Oito! Isso! Oito é uma boa resposta! Veja o que ninguém mais vê! Veja o que todos os outros escolhem não ver… sem medo, conformismo ou preguiça. Veja um mundo todo novo a cada novo dia!”
"Caí em meu patético período de desligamento. Muitas vezes, diante de seres humanos bons e maus igualmente, meus sentidos simplesmente se desligam, se cansam, eu desisto. Sou educado. Balanço a cabeça. Finjo entender, porque não quero magoar ninguém (...) Tentando ser bom com os outros, muitas vezes tenho a alma reduzida a uma espécie de pasta espiritual. Eu escuto. Eu respondo. E eles são broncos demais para perceber que não estou mais ali."

Charles Bukowski

30 de abr. de 2013

Sem Aviso - Clarice Lispector

"Também não sabia no que dá mentir: Comecei a mentir por precaução, e ninguém me avisou do perigo de ser precavida, e depois nunca mais a mentira descolou de mim. E tanto menti que comecei a mentir até a minha própria mentira. E isso - já atordoada eu sentia - era dizer a verdade. Até que decaí tanto que a mentira eu a dizia crua, simples, curta: eu dizia a verdade bruta."

24 de abr. de 2013

Apenas o Fim





E agora?
Agora é o resto das nossas vidas.

19 de abr. de 2013

20 Anos Blues - Elis Regina





Ontem de manhã quando acordei
Olhei a vida e me espantei
Eu tenho mais de vinte anos
E eu tenho mais de mil
Perguntas sem respostas
Estou ligada num futuro blue

Os meus pais nas minhas costas
As raizes na marquise
Eu tenho mais de vinte muros
O sangue jorra pelos furos
Pelas veias de um jornal
Eu não te quero, eu te quero mal

Essa calma que inventei, bem sei
Custou as contas que contei
Eu tenho mais de vinte anos
E eu quero as cores
E os colirios, meus delirios
Estou ligada num futuro blue

Os meus pais nas minhas costas
As raizes na marquise
Eu tenho mais de vinte muros
O sangue jorra pelos furos
Pelas veias de um jornal
Eu não te quero, eu te quero mal

Ontem de manhã quando acordei
Olhei a vida e me espantei
Eu tenho mais de vinte anos