16 de mar. de 2011

Perto do Coração Selvagem - Clarice Lispector


O que pensar naquele instante? Ela estava tão pura e livre que poderia escolher e não sabia. Enxergava alguma coisa, mas não conseguiria dizê-la ou pensá-la sequer, tão diluída achava-se a imagem na escuridão de seu corpo. Sentia-a apenas e olhava expectante pela janela como se olhasse seu próprio rosto na noite. Seria esse o máximo que atingiria? Aproximar-se, aproximar-se, quase tocar, mas sentir atrás de si a onda sugando-a em refluxo firme e suave, sorvendo-a, deixando-lhe após a assombrada e impalpável lembrança de um a alucinação... Mesmo naquele momento, percebendo a noite e seus próprios pensamentos indistintos, ela ainda restava separada deles, sempre um pequeno bloco fechado, assistindo, assistindo. A luzinha brilhando silenciosamente, afastada, solitária, inconquistada. Jamais se entregava.


Trecho de Perto do Coração Selvagem, de Clarice Lispector.

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